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Conversando sobre a reforma trabalhista com o meu pai

Fonte: Brasil de Fato

*Juliane Furno

A reforma visa uma submissão total do trabalhador ao patrão, permitindo que o que hoje é ilegal, seja amparado por lei. - Créditos: JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

A reforma visa uma submissão total do trabalhador ao patrão, permitindo que o que hoje é ilegal, seja amparado por lei. / JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

 

“A nova legislação trabalhista ampara por lei o que hoje é considerado ilegal”

Parafraseando o economista grego Yanis Varoufakis (que escreveu “conversando sobre economia com a minha filha”), esse pequeno texto tenta contribuir para enfrentar um dilema muitas vezes presente entre os militantes que vão desenvolvendo uma linguagem e um “chavão” meio próprio, e várias vezes se vêm impossibilitados de falar sobre assuntos diversos com os “cidadãos comuns”, como o meu pai, nesse caso.

Dias atrás meu pai me ligou (e sabendo que eu trabalho na CUT) me pediu um material que explicasse a tal da reforma trabalhista. Me senti desafiada a contribuir com tantos outros pais, filhos e amigos que as vezes precisam de um texto simples, que traduza o que essa reforma com exemplos reais.

A primeira coisa que meu pai perguntou – e não me surpreende porque é parte do que a mídia tradicional fala todos os dias foi: a) Mas CLT não é meio velha e talvez não sirva mais ao Brasil moderno de hoje? b) Será que essa reforma não vai ajudar a “modernizar”, então, as relações trabalhistas? c) Será que o mercado de trabalho não é rígido demais – desestimulando os patrões a contratarem trabalhadores? Essa reforma não geraria mais empregos?

Vamos lá. A CLT – embora ratificada em 1943 – já sofreu diversas alterações (mais de 500), dessa forma ela foi se “adaptando” as mudanças em curso no Brasil. Por isso não é verdade que ela esteve imutável. Segundo, se “modernizar” um país fosse sinônimo de “flexibilizar” as relações trabalhistas, Bangladesh seria o país mais moderno do mundo e a França um dos mais “atrasados”. Ou seja, modernizar um país e/ou aumentar a sua competitividade depende de políticas de inovação, aumento da produtividade, entre outros que não tem haver diretamente com o mercado de trabalho.

A OIT fez recentemente um estudo observando o impacto na geração de emprego entre países que fizeram reformas trabalhistas mais flexibilizantes e também mais reguladoras, e sabem o que o estudo concluiu? Que não existe correlação estatística nenhuma, nem os países que regulamentaram nem os que flexibilizaram aumentaram o emprego, porque a geração de emprego não depende da organização do mercado de trabalho, depende do crescimento econômico de um país. Isso já dialoga com o ponto “c”. Se a flexibilização das leis trabalhistas fosse gerar emprego no Brasil, como explicar que com exatamente a mesma legislação o Brasil teve 13% de desemprego em 1998 e 4,5% em 2014?

Logo, a reforma trabalhista não é para reduzir o desemprego nem para modernizar o Brasil, basta ver o que os estadunidenses falaram sobre a nossa reforma ser ainda muito “tímida”, porque o que eles queriam mesmo era reduzir mais os salários e recontratar o mesmo trabalhador como “autônomo” (onde que eles estavam preocupados com a geração de emprego mesmo?). Vamos agora então entender rapidamente o que quer a reforma.

“Mas, então Juliane, o que eles querem mudar com essa reforma?”

A Reforma trabalhista, simplesmente, modifica os 4 elementos centrais do mercado de trabalho e das relações trabalhistas.

1. A Forma de Contratação: Não precisa mais ser o “típico” CLT por tempo indeterminado, direitos adquiridos e cobertura sindical. Agora o empregador terá um cardápio com várias opções (trabalho intermitente, tempo parcial, terceirizado, “autônomo” com vínculo, etc).

2. Depois de já contratado o empregador (em “comum acordo” com o trabalhador, gente quem acredita nisso?) poderá decidir como vai ser a dinâmica de trabalho desde a compensação das horas, o parcelamento das férias, o tempo de almoço, a jornada de trabalho – podendo trabalhar 12h diárias por 36 de descanso. Isso tudo será feito mediante a mudança na percepção de que o “negociado” vale mais que o legislado (o que está em lei), e a negociação poderá ser individual, e não mais assinada pelo seu sindicato. Por isso, o trabalhador poderá negociar abaixo da lei!

3. Depois disso, se o empregador quiser demitir também será mais fácil, não precisará mais homologar a recisão no sindicato e nem o trabalhador estará mais “blindado” contra demissão no Acordo Coletivo de Trabalho.

4. Depois disso tudo, se o trabalhador tiver sido demitido e notar que as verbas rescisórias não foram devidamente pagas, a reforma também muda a forma de acesso à justiça do Trabalho. Logo, se você assinar sua recisão por conta em risco – já que nem terá mais o auxílio jurídico do sindicato – você não poderá mais recorrer na justiça, e – quando puder – terá que arcar com o ônus de que caso o Juiz dê ganho de causa ao empregador, você terá que pagar uma multa e os honorários do advogado da empresa.

Em síntese, essa reforma visa uma submissão total do trabalhador ao patrão, e seu fundamento é dar segurança jurídica ao empregador e não mais ao trabalhador, o que significa “legalizar os bicos”, e permitir que o que hoje é ilegal, seja amparado por lei.

Por fim, meu pai ainda meio incrédulo, pergunta: “o que fazer para barrar esse desmonte?” Simples, baixe o formulário que a CUT construiu para coletar 1 milhão e 300 mil assinaturas para anular a reforma trabalhista. Assine, passe para os seus conhecidos e depois entregue na sede da CUT na sua cidade.

* Juliane Furno é doutoranda em Desenvolvimento Econômico na Unicamp e militante do Levante Popular da Juventude.