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Inteligência artificial e mercado de trabalho

Fonte: Valor Econômico

Naercio Menezes Filho*

Um dos assuntos que mais tem despertado interesse atualmente no mundo diz respeito aos impactos da inteligência artificial sobre o mercado de trabalho no futuro. Como os avanços nessa área têm sido notáveis nos últimos anos, vários estudos tentam estimar quantos empregos os robôs irão roubar dos humanos no futuro. O que farão as pessoas que forem substituídas por esses robôs? Como deve ser a educação das nossas crianças para prepará-las para esse futuro?

O professor Richard Freeman, um dos mais respeitados economistas do trabalho de Harvard, tem pesquisado esse assunto há vários anos e apresentou algumas de suas ideias em seminários recentes aqui Brasil. Segundo ele, há realmente motivos para nos preocuparmos, pois os robôs estão realizando muitas tarefas que atualmente são desempenhadas por humanos de forma mais rápida e eficiente. Quais as consequências disso para a nossa sociedade?

A China é o país que mais produz robôs industriais multiuso atualmente, com cerca de 87 mil unidades em 2016. Enquanto isso, as empresas americanas produziram 30 mil robôs, as japonesas e coreanas 40 mil cada e as alemãs 20 mil. Já o Brasil produziu somente 1.200 robôs em 2016. Em termos de utilização, as empresas coreanas usam 5 robôs para cada 100 trabalhadores empregados, as japonesas e alemãs vem a seguir com 3, enquanto as americanas empregam 2 robôs para cada 100 trabalhadores.

Porém, o mais preocupante para o trabalho humano são as máquinas inteligentes. A inteligência artificial trabalha sem parar na produção de máquinas que desempenham tarefas como reconhecimento de faces e de vozes, tradução, cálculos, interpretação de exames médicos e várias outras tarefas de forma mais eficiente que os humanos. Além disso, elas começam a aprender a tomar decisões por conta própria, sem analisar o que os humanos fizeram antes.

Estudos indicam que nos próximos 50 anos essas máquinas irão superar os humanos na condução de operações no mercado financeiro, realização de cirurgias, elaboração de artigos de jornal, pesquisas em matemática e produção de best-sellers, sem o sofrimento que os grandes autores normalmente passam ao olhar para a primeira folha em branco. Os robôs poderão conduzir negociações entre empresas ou entre patrões e empregados, pois não têm emoções e já sabem qual será o resultado eficiente. Provavelmente, muitos dos chefes dos nossos filhos serão máquinas inteligentes. Como lidar com elas?

Em breve essas máquinas também farão monografias de graduação e dissertações de mestrado, pois elas farão a revisão de todos os trabalhos acadêmicos já publicados sobre qualquer assunto em todas as línguas num curto espaço de tempo. Será que elas também farão teses de doutorado originais?

Mas Freeman alerta que os empregos dos humanos não irão acabar. Mesmo que algum dia os robôs sejam melhores em tudo, nós ficaremos com as tarefas em que somos menos piores, como reza a teoria das vantagens comparativas. Além disso, o uso de robôs e máquinas deverá aumentar substancialmente a produtividade e diminuir os preços dos produtos, o que aumentará a demanda agregada e gerará novos empregos. Isso sempre ocorreu com as inovações. Com o tempo, os trabalhadores mudaram da agricultura para a indústria e depois para os serviços. Acemoglu e Restrepo, por exemplo, acreditam que o processo de automação gerará novas tarefas que serão vantajosas para nós. Mas qual será a vantagem comparativa dos seres humanos no futuro?

Atualmente nossa vantagem está no pensamento. Mas, o que acontecerá quando as máquinas pensarem de forma mais rápida e precisa do que nós, operando em rede na nuvem? Talvez a nossa vantagem comparativa estará nas tarefas manuais que os robôs têm mais dificuldade de executar. Ou talvez seja mais difícil para os robôs interagirem com humanos, entender as nossas emoções e idiossincrasias. Será que um robô inteligente com acesso instantâneo à internet dará melhores aulas do que um professor?

Em termos de remuneração, a tendência é de redução dos salários ao longo do tempo, principalmente dos trabalhadores mais qualificados, à medida em que os custos de produção das máquinas inteligentes for diminuindo. Vale notar que a parcela salarial na renda agregada tem diminuído nos países avançados (mas não no Brasil).

Ainda segundo Freeman, a maior parte da renda gerada pelas máquinas vai parar nos bolsos dos seus proprietários, o que deverá piorar ainda mais a distribuição de renda nos países desenvolvidos, provocando problemas políticos sérios. A solução para isso seria que os trabalhadores adquirissem ações das empresas tecnológicas, contando com incentivos fiscais dos governos. Assim, eles poderão viver de rendas, deixar as maquinas produzindo e se divertir no mundo virtual. Quem não tiver ações dessas empresas, não tiver empatia para lidar com outros humanos e nem souber realizar tarefas manuais terá que contar com programas de renda mínima. Será que Suplicy estava certo o tempo todo?

Mas não devemos nos preocupar muito com essas coisas aqui no Brasil, pois provavelmente nosso futuro será bem diferente. No nosso capitalismo patrimonialista, governos, empresas e trabalhadores se unirão para impedir a entrada dessas inovações disruptivas. Vale lembrar que a lei da informática proibiu a importação de computadores por vários anos e reduziu enormemente o crescimento da nossa produtividade. Os gastos com P&D realizados pelas nossas empresas é tímido e não cresceu nem mesmo após décadas de incentivos fiscais. Assim, dificilmente os robôs e máquinas inteligentes entrarão em massa no nosso país. A tendência é que fiquemos cada vez mais para trás.

*Naercio Menezes Filho, professor titular – Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP, membro da Academia Brasileira de Ciências