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Pesquisadora mostra como Brizola conservou prestígio político mesmo após 15 anos no exílio

Maria Cláudia Moraes Leite estuda a trajetória do líder trabalhista desde o mestrado na Ufrgs e agora, no doutorado, mostra como o político gaúcho foi fundamental não só na resistência à ditadura, mas na recomposição do quadro política já na abertura democrática

Youtube/Reprodução
Créditos da foto: Youtube/Reprodução

Com o título de “Brizola antes e depois do exílio”, uma palestra da pesquisadora Maria Cláudia Morais Leite, doutoranda em História na Universidade Federal do rio Grande do Sul (Ufrgs) apontou os fatos que mostram que o líder trabalhista manteve influência e prestígio político mesmo após 15 anos morando fora do Brasil.

Ela se debruça sobre a trajetória de Leonel Brizola desde o mestrado e voltou recentemente da etapa sanduíche de sua bolsa de doutorado, desenvolvida justamente em Montevidéu, capital do Uruguai, onde o comandante da Campanha da Legalidade foi acolhido após o golpe militar no Brasil, em 1964.

Na palestra, promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos ela percorreu alguns momentos da carreira política de Brizola, passando pelas expropriações que fez de multinacionais estrangeiras quando era governador do Rio Grande do Sul, oferecendo detalhes sobre a defesa do direito de João Goulart assumir a presidência da república após a renúncia de Jânio Quadros e depois, no exílio e na abertura democrática, quando se elegeu governador do Rio em duas ocasiões e foi candidato à presidência da República.

A carreira de Leonel de Moura Brizola foi intensa mesmo no início. Entre seu ingresso nos quadros do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a eleição para governador do Rio Grande do Sul, o primeiro grande feito político, foram apenas 14 anos, nos quais cupriu dois mandatos de deputado estadual (também foi deputado federal por um período curto, de um ano), foi escolhido secretário estadual de obras e ainda prefeito de Porto Alegre – cargo que deixou para se candidatar ao Piratini.

Uma vez empossado, comprou briga com as multinacionais norte-americanas que controlavam a geração e distribuição de energia elétrica no Rio Grande do Sul e a telefonia gaúcha. Encampou ambas e desatou uma crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos quando os revolucionários em Cuba ainda não falavam em socialismo.

“Ele teve outras marcas em seu governo: a educação, a reforma agrária… Escolhi destacar esse aspecto para mostrar como Brizola no governo do Rio Grande do Sul, já incomodava os Estados Unidos”, justificou a pesquisadora.

Brizola estava na metade de seu mandato como governador quando convocou a Campanha da Legalidade para resistir à tentativa de impor uma junta militar para governar o Brasil diante da renúncia de Jânio Quadros. Era agosto de 1961. “O vice João Goulart deveria assumir legalmente, entretanto, era um líder trabalhista combatido pelos conservadores militares e civis desde 1953, quando fazia parte governo de Getulio Vargas”, explicou a pesquisadora.

Quando um dos ex-ministros militares de Jânio determinou que o III Exército marchasse sobre Porto Alegre e, “se necessário”, bombardeasse o palácio Piratini para conter Leonel Brizola que havia criado uma cadeia de rádios transmitida dos porões do edifício governamental, a reação dos comandantes militares do sul foi de solidariedade à Brizola: eles se apresentaram ao governador e declararam seu apoio à Legalidade. “Foi uma demonstração do sucesso do movimento de Brizola”, ilustrou.

Apesar de ter sido fundamental na defesa de João Goulart, Brizola não obteve sua adesão ao projeto de enfrentamento do conservadorismo nem antes da posse – quando Jango decidiu ceder poder através do parlamentarismo, posteriormente revogado – nem ao longo do mandato do colega de partido.

Já como deputado federal eleito pelo estado da Guanabara, uma vez que a liderança da Campanha da Legalidade o catapultou como ícone nacional, criou, em 1963, a Frente de Mobilização Popular, que reuniu as principais organizações de esquerda para pressionar pelas reformas de base. A ideia era que Jango assumisse o compromisso “mesmo que fosse preciso partir para o confronto com a direita”, esclareceu a pesquisadora.

Além de contar com a incredulidade do então presidente da República, que tentava uma conciliação entre o centro e os setores trabalhistas, Brizola também se viu embretado por outro grupo de esquerda, mais moderado, que propunha a aprovação das reformas mediante a negociação com o Congresso Nacional.

A definição de Jango pelo projeto brizolista de enfrentamento, que teve como ápice o comício na Central do Brasil, no final de março de 1964, logo foi interrompida pelo golpe de Estado dado pelos militares, que no dia 31 depuseram o presidente e empossaram uma junta militar no poder.

“Brizola tentou ficar no Brasil, acreditado que poderia organizar a resistência ao golpe. Mas depois de 32 dias clandestinidade, em 7 de maio, ele parte para o exílio em Montevidéu, no Uruguai”, rememorou a historiadora.

Mais seguidores que o próprio Jango

A primeira leva de exilados brasileiros após o golpe militar se concentrou quase toda no uruguai, segundo Maria Cláudia Moraes Leite. A segunda, em 1968, já foi mais dispersa. Em Montevidéu Brizola era o centro das atenções, mesmo dividindo espaço político inclusive com o próprio João Goulart, que também se exilou no país vizinho do sul. “Tinha ainda o grupo dos sindicalistas e um quarto grupo, menor, de comunistas menor. Brizola era quem fazia a interlocução entre eles, ele tinha ascenção sobre todo mundo”, revelou.

O líder trabalhista também recebia visitas de políticos que seguiam no Brasil, entre eles muitos representantes do MDB, que atravessavam a fronteira para ouvir as análises de Brizola.

Desde o Uruguai, o ex-governador se envolveu com a resistência e participou, inclusive da luta armada que, entretanto, viria a abandonar após o insucesso da guerrilha de Caparaó, que ele organizou com o auxílio de Cuba, segundo contou Maria Cláudia. “Depois disso ele vai adotar uma linha política de ação, como ele mesmo chamou”, ilustrou a pesquisadora.

Ele fez isso em um ambiente nada favorável, precisando cumprir regras que foram decretadas exclusivamente para ele. Uma delas era a obrigação de permanecer confinado em uma cidade fora de MOntevidéu – pedido feito pelos militares que comandavam o Brasil ao governo uruguaio, que acatou sem questionamento: “Isso sim, foi dada a ele a opção de escolher a cidade em que queria morar, que não poderia ser a capital nem estar a emnos de 300 quilômetros da fronteira com o Brasil”.

A escolha recaiu sobre a praia de Atlântida, distante 301 quilômetros da borda brasileira e ao mesmo tempo há 35 de Montevidéu. O regime durou até 1971, embora fosse facultado ao líder trabalhista transitar pelo território uruguaio (do que ele não abriu mão, é claro, seguindo suas negociações e encontros políticos mesmo “encarcerado”). Outra peculiaridade exclusiva do exílio de Leonel Brizola foi a sua expulsão “sem aviso prévio ou circunstância que justificasse” já quando o país vizinho caminhava também para instaurar um governo militar.

Pego de surpresa, Brizola acabou indo parar nos EStados Unidos, onde o então presidente Jimmy Carter o ofereceu asilo político. A saída, embora traumática, possibilitou que Brizola voltasse à carga sem medo de represálias e com total liberdade – coisa que ele não tinha no uruguai. Em uma entrevista já nos primeiros dias em território estadunidense, ele admitiu: “Eu já havia praticamente largado tudo, mas me agarraram pelos cabelos (para retomar a militância). Não tenho planos, mas caminhos não hay, hay que hacerlos”, disse parafraseando o poeta espanhol Antonio Machado.

A refundação do trabalhismo em Lisboa

Em janeiro de 1978, o primeiro ministro português Mario Soares convidou – e Brizola topou – que ele fosse morar em Lisboa. Foi desde a capital lusitana que o líder político coordenou a refundação do trabalhismo brasileiro, combalido após as cassações e banimentos promovidos pela ditadura militar.

“Desde então, começaram a promover encontros no Brasil e no exterior, e o mais importante deles foi o Congresso de Lisboa, onde foi redigida e assinada a carta de Lisboa, o documento inicial do PDT, Partido Democrático Trabalhista”, observou a pesquisadora.

Em 1979, finalmente Brizola retorna ao Brasil sob a proteção da Lei de Anistia, assinada pelo general Figueiredo, o último dos ditadores brasileiros. Brizola não perdeu tempo: em 1982 se elegeu governador do Rio de Janeiro, pela recém fundada sigla do PDT – o detalhe é que as pesquisas de intenção de voto davam seu nome como carta fora do baralho: ele tinha apenas 3% da preferência do eleitorado. “Brizola havia ficado 15 anos afastado do Brasil, a juventude não sabia quem ele era e quem sabia tinha lá suas reservas, pela postura radical que teve durante o governo Jango”, analisou Maria Cláudia.

Ao assumir, enfrentou uma “grande campanha de desmoralização”, fruto, na opinião da pesquisadora, de um “receio da ascensão brizolista”. Tanto foi assim que não conseguiu eleger seu sucessor, o sociólogo Darcy Ribeiro, derrotado nas urnas por Moreira Franco, cuja candidatura era sustentada pelo então presidente José Sarney.

O ocaso do líder

Na primeira eleição direta no período democrático para a presidência da República, Brizola apresentou sua candidatura. As primeiras pesquisas de intenção de voto davam ampla vantagem sobre seus oponentes, mas boatos que o vinculavam com o jogo do bicho minaram suas chances. “Havia uma regra na imprensa não explícita, de ignorar fatos positivos sobre sua personalidade e de exaltar seus problemas”, denunciou a pesquisadora.

Maria Cláudia assegura que os jornais da época acolheram a candidatura de Fernando Color de Mello como a “mais confiável” e que o ex-operário Lula também foi beneficiado por ser considerado “um candidato mais fácil de abater do que Brizola”. Tanto foi assim que ao final do primeiro turno, no dia 15 de novembro de 1989, Collor teve 28,5% dos votos, Lula 16,08% e Brizola 15,45”, “uma diferença muito pequena”, lamentou.

Um ano depois, o líder trabalhista voltou a disputar o governo do Rio de Janeiro, foi eleito, e, em 1994, aos 72 anos se desincompatibilizou do cargo para uma nova candidatura à presidência da república, “mesmo sabendo que não tinha chances diante da candidatura de FHC, idealizador do Plano Real” . Nesta eleição, Brizola terminou em 5º lugar, atrpas de Orestes Quércia, Enéis Carneiro e do próprio Lula, uma “humilhação eleitoral”. Na eleição seguinte esteve ao lado do “sapo barbudo” como chamava Lula, como seu vice-candidato.

Ainda teve tempo de lançar uma campanha contra FHC em 1999, acusando o então presidente de fraude eleitoral pois teria escondido a crise de desvalorização do Real durante o processo eleitoral – ela sós e revelaria três meses depois da eleição.

No ano 2000 tenta conquistar a prefeitura do Rio de Janeiro, mas perde mais uma vez, morrendo em 21 de junho 2004. “Foi alçado à categoria de lutador pela democracia, defensor da legalidade e seu enterro foi acompanhado por uma grande massa”, concluiu.