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13º salário: de sacos de laranja à 215 bilhões na economia; a conquista dos trabalhadores

Em depoimento ao Centro de Memória Sindical, Chamorro lembra que quando era operário numa fábrica têxtil participou de uma ação, em 1946, onde os trabalhadores, ao reivindicarem a gratificação natalina, foram contemplados com sacos de laranja.

Cerco policial ao Sindicato dos metalúrgicos de São Paulo na greve deflagrada pelos sindicatos de metalúrgicos e têxteis em São Paulo para lutar pelo décimo terceiro salário, 13/12/1961. Foto Memorial da Democracia

Carolina Maria Ruy

A lei 4090, que garante o pagamento do 13º aos trabalhadores, de 13 de julho de 1962, “esconde uma série de batalhas travadas entre patrões e operários ainda na década de 1950”. É o que conclui a historiadora Larissa Rosa Corrêa no artigo “Abono de natal: gorjeta, prêmio ou direito? Trabalhadores têxteis e a justiça do trabalho”[1].

Elaborada pelo deputado Aarão Steinbruch, do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)[2] de Jango e Vargas, a lei teve apoio dos sindicatos e precisou de greves, manifestações e petições ao Congresso Nacional para se tornar uma realidade a todos os trabalhadores e trabalhadoras do país.

O abono de Natal já existia na convenção coletiva de algumas categorias, mas até julho de 1962 não era um direito nacional previsto em Lei.

Naquela época o Brasil passava por uma acelerada transição de um perfil predominantemente rural para um país urbanizado, e os trabalhadores, com as bases de suas organizações consolidadas, já viviam sob a cobertura da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) há quase 20 anos. Isso faz diferença uma vez que expressa uma classe operária com alguma experiência, consciente da sua importância, que pleiteava direitos que iam além da mera sobrevivência, diferente do que ocorreu na greve geral de 1917, por exemplo.

Sacos de laranjas e cortes de tecidos

As batalhas travadas a que Larissa se refere vão ainda mais longe na história. Elas remontam à pelo menos a década de 1940, conforme deixa claro o depoimento do líder têxtil Antônio Chamorro, descrito por Larissa.

Em depoimento ao Centro de Memória Sindical, Chamorro lembra que quando era operário numa fábrica têxtil participou de uma ação, em 1946, onde os trabalhadores, ao reivindicarem a gratificação natalina, foram contemplados com sacos de laranja.

Aquilo demonstrava todo o desrespeito que os patrões tinham com os trabalhadores, mas eles não desistiram. No Natal seguinte, propuseram cortes de tecido no lugar das laranjas, recebendo então tecidos de “má qualidade” e quentes para o fim do ano. “Mesmo assim, os funcionários da fábrica resolveram aceitar”, conta ela. Para a historiadora, aquelas eram formas de os trabalhadores aproveitarem “brechas” para obter conquistas que, afinal, eram justas. “O empregador cedeu uma vez; na próxima ele não teve argumentos para não fornecer o beneficio novamente, e, desta vez, a gratificação teria que ser melhor, e assim por diante”.

Mais do que o tecido ou as laranjas, tratava-se do início de uma negociação maior. E, quando se iniciou a década de 1960, a campanha pelo abono de Natal já estava forte.

A greve de dezembro de 1961

A campanha ganhava a adesão dos trabalhadores de um setor que crescia de vento em popa no bojo da política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek: os metalúrgicos.

Também em depoimento ao Centro de Memória Sindical, o metalúrgico Afonso Delellis disse que este processo, marcado por uma grande e violenta greve pela aprovação da Lei 4090, foi o resultado de oito anos de luta, uma vez que “o abono de Natal tinha constado das listas de reivindicações nos dissídios coletivos e sido pauta nas assembleias dos sindicatos”. Segundo Delellis, os trabalhadores tinham consciência de que a gratificação jamais seria fruto das negociações com os patrões e muito menos de uma decisão da Justiça do Trabalho”. Era preciso lutar.

Neste sentido, pode-se dizer que a ocorrência de uma greve nacional foi um desdobramento natural e inevitável das tensões do momento. E ela eclodiu pouco antes do Natal de 1961, no dia 13 de dezembro, com apenas três meses de vigência do governo de João Goulart. Foi uma greve dura com cerca de 6 mil trabalhadores detidos.

Ao fim, a aprovação do projeto de Steinbruch ocorreu com base em negociações diretas com o presidente, intermediadas pela CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria), entidade sindical comandada, à época, por sindicalistas filiados ao PTB e ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Vale ressaltar aqui a contribuição de Clodesmidt Riani, vice-presidente da entidade, que já cultivava uma boa relação com Goulart desde a década de 1950.

Finalmente, a classe operária havia conquistado legalmente o 13º salário.

As elites torceram o nariz

O direito que, como o tempo comprovou, injeta milhões no comércio e na indústria, foi repudiado pela elite empresarial e patronal. Uma das mais emblemáticas imagens desta torcida de nariz, a manchete de capa do jornal O Globo de 26 de abril de 1962, dizia:

“Considerado desastroso para o país um 13º mês de salário. Mal recebida nos meios econômicos e financeiros a aprovação pela câmara do projeto do Sr Aarão Steinbruch – a medida teria cunho meramente eleitoreiro”.

Larissa afirma, em seu artigo, que a imprensa e os empresários passaram a acusar Jango de fazer demagogia com a nova lei, defendendo que a iniciativa levaria à bancarrota a economia nacional.

De sacos de laranja à 215 bilhões na economia

Passados 58 anos da aprovação do 13º, o que se vê é exatamente o inverso do que pregavam as elites contra tal direito trabalhista.

Daquelas reivindicações da década de 1940, que não resultaram em mais do que sacos de laranjas e cortes de tecidos, à criação e implementação do abono de Natal, ou do 13º, o ganho para o país foi a injeção de bilhões na economia, com alta capacidade de geração de emprego. Mais precisamente, R$ 215 bilhões, conforme previsão do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) para 2020, quando o salário extra deverá beneficiar cerca de 80 milhões de trabalhadores.

Não era o que as nossas elites viam, ou queriam ver naquele momento. Acusado injustamente[3] de conspirar a favor do comunismo e de criar uma “república sindicalista” –– Jango foi expulso do poder por um golpe militar de extrema direita menos de dois anos depois da Lei 4090, em 31 de março de 1964.

E mesmo após a comprovação da importância social e econômica de direitos trabalhistas como o 13º, nesses 58 anos de história, as mesmas elites que tiraram Jango, viabilizaram o governo de Michel Temer e pavimentaram a eleição de Jair Bolsonaro, dois presidentes que articularam e articulam diuturnamente a destruição do movimento sindical, a extinção de todos os direitos dos trabalhadores e o retorno a práticas da República Velha nas relações de trabalho que sustentam o país.

Como disse o jornalista e ativista José Luiz Del Roio[4] “o que os trabalhadores conquistaram, eles nunca podem considerar conquistas definitivas. E se o Estado for oligárquico, escravocrata, eles estarão sempre disponíveis a fazer voltar para trás as conquistas operárias!”.

Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical

[1] Artigo para Revista Esboços da UFSC, nº16, 2007. O Artigo é parte da pesquisa de mestrado de Larissa Corrêa, intitulada “Trabalhadores têxteis e metalúrgicos: direitos e Justiça do Trabalho na cidade de São Paulo — 1953 a 1964”.

[2] O PTB era o partido de Getúlio Vargas, João Goulart (Jango) e Leonel Brizola até a sigla ser concedida, após disputa judicial, para Ivete Vargas rachando com o setor progressista do Partido que fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT) em 1979.

[3] Seu projeto político expresso, sobretudo, nas Reformas de Base, consistia em incentivar o crescimento de pequenos capitalistas – produtores, empresários e empreendedores.

[4] Em entrevista realizada em 2017 para a revista do Centro de Memória sobre a Greve Geral de 1917.

Fonte: Rádio Peão Brasil