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67% das crianças que trabalham na rua têm transtorno

Vitor Hugo Brandalise

Estudo da Unifesp mostra que 124 das 185 crianças que ficam em faróis dos Jardins e Pinheiros sofrem com problemas emocionais

Além de sofrerem violência física em casa, 67% das crianças que trabalham nos semáforos das ruas de Pinheiros, na zona oeste, e dos Jardins, zona sul, apresentam transtornos emocionais. De 185 que trabalham nessas áreas, 124 têm problemas como hiperatividade, fobias e depressão. Entre as crianças analisadas, todas tinham nível de estresse superior aos limites normais.
O diagnóstico resulta de pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), finalizada na semana passada. Entre as crianças emocionalmente abaladas, 27% têm diagnóstico fechado para distúrbios graves, como déficit de atenção e hiperatividade, transtorno de conduta (personalidade antissocial), depressão, fobias, enurese (urina durante o sono, ligada a questões emocionais) e transtorno de oposição e desafio (agressividade).
Nos depoimentos, as crianças falam em abusos sexuais (15,5% afirmaram terem sido molestadas nos semáforos), situações de violência (32,8% disseram ter sofrido espancamento) e abusos emocionais (31,6% sofrem xingamentos constantes de motoristas – o que traumatiza principalmente as mais novas).
Em alguns casos, o nível de estresse das crianças, de idade entre 7 e 14 anos, era idêntico ao de adultos diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático, mal ligado ao sentimento de desespero, comum em sobreviventes de tragédias. O estudo foi realizado com famílias do Capão Redondo, na zona sul, que vivem com renda abaixo da linha de pobreza (média de R$ 377 mensais).
“A pesquisa é representativa de toda a periferia da capital. Retrata a situação de famílias desestruturadas, que têm renda miserável e não veem outra opção a não ser trabalhar nas ruas”, disse a coordenadora do estudo, Andrea Feijó de Mello, pesquisadora do Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência (Prove) da Unifesp. “Há milhares de crianças assim, a maioria não atendida por programas assistenciais.”
Segundo a estimativa mais recente da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), ao menos 3 mil crianças trabalham nas ruas de São Paulo. Menos da metade, porém, recebe algum apoio – atualmente, 1.379 crianças são beneficiadas pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil da Prefeitura. Ainda assim, o apoio específico é só financeiro. Não há trabalho coordenado específico entre Smads e Secretaria Municipal da Saúde para atendimento das crianças que trabalham nas ruas.
A alta incidência de transtornos mentais surpreendeu os pesquisadores. “Na população em geral, o problema atinge cerca de 25%. No máximo, chega a 40% em comunidades extremamente pobres”, disse Andrea. Em estudos realizados em Embu, Barretos e Campos do Jordão, a incidência também não ultrapassou 25%. “Como as famílias são extremamente desestruturadas, a rua acaba sendo uma fuga, preferível para a criança. Ao voltar para casa, acaba replicando novamente a violência que sofrem nos semáforos. É um círculo vicioso que só pode ser quebrado com acompanhamento.”
Espancamentos. Outra descoberta do estudo é que, ao chegarem em casa, ainda é provável que as crianças sofram novos abusos, dos próprios pais – 68,4% das crianças que trabalham nas ruas sofrem punições físicas severas (definidas conforme os padrões da Organização das Nações Unidas).
De 63 irmãos dessas crianças, geralmente novos demais para irem trabalhar nas ruas, 50,8% também sofrem punições físicas em casa – uma diferença “significativa”, que colabora com a permanência dessas crianças nos cruzamentos, segundo os pesquisadores.
Nova lei
Na sexta, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) sancionou lei que estabelece diretrizes para prevenção do trabalho infantil na cidade. É uma tentativa de unificar ações hoje fragmentadas da Prefeitura.