Uma das principais justificativas para dar força de lei aos acordos diretos entre patrões e funcionários seria o fato do “Brasil ser campeão mundial de ações trabalhistas”. A complexidade da atual legislação trabalhista levaria muita gente a encontrar brechas para processar o empregador. A liderança do Brasil nesse campeonato mundial fictício já esteve no relatório da proposta de reforma trabalhista da Câmara, foi notícia na Band, na Globo, na Record, no Estadão. Acontece que essa é uma falácia que acabou virando senso comum de tanto que se martelou na cabeça dos brasileiros ao longo dos últimos anos. Em recente artigo para o Jota, o especialista em Direito do Trabalho, Cássio Casagrande, desmontou ponto a ponto a cantilena e demonstrou que ela não possui base alguma na realidade. Casagrande se debruça também sobre uma frase proferida em uma conferência em Londres pelo ministro do STF, Luis Roberto Barroso: “A gente na vida tem que trabalhar com fatos e não com escolhas ideológicas prévias. O Brasil, sozinho, tem 98% das ações trabalhistas do mundo.” O número é irreal, não está baseado em nenhum estudo ou pesquisa e, ironicamente, parece ser fruto de uma escolha ideológica prévia do ministro.

No mês passado, um estudo da Repórter Brasil revelou o apoio maciço das grandes empresas de comunicação à reforma trabalhista. A conclusão é de que há pouquíssimo espaço – ou mesmo nenhum – para opiniões contrárias:

“O Jornal da Record foi o menos crítico à proposta apresentada pelo governo, com 100% das reportagens favoráveis. O Globo foi o segundo mais alinhado, com 88% do conteúdo suportando o que defende o Palácio do Planalto. Em seguida, aparecem o Jornal Nacional (77%) e O Estado de S.Paulo (68%). A Folha de S.Paulo (42%) destoou dos outros veículos, já que criticou a proposta em mais de metade dos seus textos.”

O fato do Jornal da Record não disponibilizar sequer um segundo para as críticas à reforma não chega a ser motivo para espanto, já que a empresa é da propriedade do empresário-pastor Edir Macedo, o controlador oculto do PRB, um importante partido da base governista.

O SBT não entrou na análise da Repórter Brasil, mas vem cumprindo com louvor o seu papel de cão de guarda das elites. Logo no dia seguinte a um encontro entre Temer e o empresário Sílvio Santos, a emissora usou da concessão pública para promover as reformas, como se elas fossem um produto Jequiti. Com inserções inesperadas no meio da programação, a empresa veiculou mensagens terroristas como: “Você sabe que, se não for feita a Reforma Trabalhista, você pode deixar de receber o seu salário?”

Mas o dono do Baú foi com muita sede ao pote ao utilizar uma concessão pública para defender seus próprios interesses. O SBT foi alvo de um inquéritodo Ministério Público do Trabalho que constatou que a emissora estava exibindo “chamadas publicitárias com informações duvidosas sobre o tema”. A procuradora Renata Coelho, responsável pelo inquérito, afirma que “trata-se de propaganda possivelmente sem base fática ou documental, que não exprimiria opinião, mas sim afirmativa que sem a aprovação das reformas o país estará quebrado e o trabalhador ficaria sem salário”. A empresa assinou um termo de compromisso com MPT prometendo veicular mensagens educativas sobre a reforma.


Os colunistões mais prestigiados pelas empresas de comunicação também são unânimes na importância da reforma e repetem incansavelmente que essa é a única saída para a crise econômica. Merval, Sardenberg, Miriam Leitão e Reinaldo Azevedo puxam a fila e ajudam a empurrar goela abaixo da população uma narrativa única.

Por mais que a expressão cause horror, o que vemos é a luta de classes na sua essência. O topo da pirâmide, na ânsia de não querer perder seus privilégios com a crise, coloca todas suas armas na mesa, enquanto a base resiste para não perder direitos conquistados a duras penas. Nesse conflito desigual de interesses, reforma trabalhista tirará o estilingue de Davi e entregará uma metralhadora para Golias. Mas a realidade é dura e o desfecho certamente não será bíblico.