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BC teme efeito do emprego sobre a inflação

Conjuntura: Dissídios no 2º semestre e reajuste do mínimo também ameaçam controle de preços, diz relatório

Fernando Travaglini | De Brasília

Ruy Baron/Valor

O Relatório de Inflação, divulgado ontem, mostrou um Banco Central mais duro e atento aos riscos inflacionários. O ponto mais frágil apontado pela autoridade monetária é o mercado de trabalho, com taxas de desemprego persistentemente baixas, renda do trabalhador em alta, uma série de dissídios programados para o segundo semestre, além do reajuste do salário mínimo programado para o próximo ano — que pode ser de 14%. Além disso, voltaram ao radar do BC temas críticos, como a indexação da economia, que “eleva os custos da desinflação”, e a preocupação com as expectativas de mercado, ainda em alta.

“O Copom pondera que o principal risco é que o aumento da inflação nos últimos meses seja transmitido ao cenário prospectivo, em contexto de estreita margem de ociosidade nos mercados de fatores – em especial no de trabalho – e de descompasso entre as taxas de crescimento da oferta e da demanda. Esse risco pode se agravar pela presença, na economia, de mecanismos que favorecem a persistência da inflação”, resume o documento oficial.

O BC manteve a estratégia de aperto “prolongado” das condições monetárias e reforçou seu compromisso de entregar a inflação no centro da meta em 2012. Ao mesmo tempo, divulgou um estudo mostrando que os efeitos da alta do recolhimento compulsório sobre a demanda agregada e a inflação, anunciada no fim do ano passado, atingiram o seu auge.

Apesar disso, todas as projeções de inflação feitas pela autoridade monetária pioraram e apontam para convergência dos preços apenas em meados de 2013. No cenário de mercado, que considera dados coletados pelo Focus e apenas mais uma alta da Selic, o IPCA esperado para o próximo ano foi a 4,9% – no relatório de março era 4,6%.

Os analistas avaliam que o relatório difere bastante do anterior. Está mais conservador (“hawkish”), dando maior peso às ações tradicionais de política monetária (aumento de juros) em detrimento das ações macroprudenciais, que dominaram o texto do primeiro trimestre.

Essa leitura, em conjunto com os riscos levantados pelo BC, elevou a possibilidade de novas altas dos juros após a reunião de julho, diz Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil. “O relatório consolidou a mudança de tom do BC no combate à inflação, que se iniciou na ata da reunião de abril do Copom.”

Desde aquele encontro, o BC fez a opção por um processo mais longo de aperto monetário e deixou isso claro nos seus documentos. A estratégia diverge das ações adotadas em períodos recentes, quando a autoridade monetária aproveitava os momentos de alta da inflação para aplicar um ajuste monetário forte, que garantiria a convergência rápida dos preços.

Assim, consegue menor impacto no crescimento, cuja projeção se mantém em 4% para este ano. Um dos riscos é que qualquer soluço no processo de desaceleração da economia ou eventual novo choque externo poderia tirar a inflação da rota de queda. Prova disso é que o próprio BC vê uma chance de quase 20% de a inflação escapar da meta em 2011 e 2012.

O cenário do BC contempla uma desaceleração mais forte da economia no segundo semestre. Mas os sinais até agora indicam um ritmo ainda “incerto” de moderação da atividade, segundo o relatório. O diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, pondera que alguns dados são defasados, como o PIB medido pelo IBGE, mas concorda que não há uniformidade nos números divulgados. “Alguns indicadores apontam em uma direção, outros estão com sinais um pouco diferentes. O IBC-Br trouxe uma boa notícia, mas o mercado de trabalho e o comércio ainda estão muito fortes”, diz.

Para o diretor do departamento econômico do Bradesco, Octavio de Barros, as pressões salariais, incluindo o reajuste previsto para o salário mínimo no próximo ano, são as maiores fontes de risco para a convergência da inflação à meta.

Esse é de fato “um risco muito importante”, segundo o diretor do BC, e o ideal é que aumentos salariais estejam em linha com ganhos de produtividade. Ele lembra, no entanto, que há evidências de que alguns setores já têm reajustes acima desse patamar, como no caso dos serviços.

Pela primeira vez, também, o BC admitiu que a alta do salário mínimo no próximo ano, que deve ser de 14%, dependendo da inflação deste ano, traz preocupações. “O aumento do salário mínimo já está incorporado nas nossas previsões, mas tem que ver como isso vai repercutir na economia. Há alguns graus de certezas, mas há outros que não consigo prever, como o impacto nas expectativas de inflação ou em outras negociações trabalhistas”, diz o diretor do BC.

A indexação também ganhou relevância na análise. O BC avalia que a persistência dos preços reduz a sensibilidade da inflação às flutuações da demanda e contribui para elevar o “ponto de partida” da taxa de inflação em ciclos de moderação econômica, além de elevar os custos da desinflação.