Notícias

Classes ABC poderão ganhar mais 36 milhões de pessoas

ENTREVISTA MARCELO NERI

Classes ABC poderão ganhar mais 36 milhões de pessoas

PARA ECONOMISTA DA FGV, AO CONTRÁRIO DO “MILAGRE ECONÔMICO” DA DÉCADA DE 1970, PERÍODO DE CRESCIMENTO ATUAL VEM ACOMPANHADO DE REDUÇÃO DA DESIGUALDADE

DE SÃO PAULO

Entre 2003 e 2009, a pobreza no Brasil caiu 43% e 31,9 milhões de pessoas subiram às classes ABC, o equivalente a mais de meia França. Nas projeções do economista da FGV-Rio Marcelo Neri, entre 2010 e 2014 mais 36 milhões poderão acabar subindo às classes ABC. Leia trechos de sua entrevista. (FCZ)

Folha – O crescimento do PIB no primeiro trimestre foi bastante forte. Qual o impacto disso na redução da pobreza?

Marcelo Neri – O PIB surpreendeu a muitos. Mas, nos últimos 12 meses, considerando abril ante abril, a pobreza está caindo a um ritmo de 10%. A Meta do Milênio (das Nações Unidas) é reduzir 50% em 25 anos. Portanto, estamos fazendo 25 anos em cinco.

A boa notícia, portanto, é que o PIB vem acompanhado de redução da desigualdade.

Durante o milagre econômico (nos anos 70), a gente cresceu a taxas equivalentes às atuais, mas a desigualdade aumentou muito. Agora, temos um aumento forte do PIB, mas a renda está ficando mais bem distribuída. Em 2009, ocorreu uma parada nesse processo, mas houve uma recuperação depois.

Agora, estamos entrando em um processo de redução da desigualdade mais forte do que no período entre 2003 e 2008.

O sr. até já batizou esse período (2003-2008) como a “pequena grande década”. Estamos em um processo mais acelerado ainda?

Mais acelerado. Para minha surpresa, a economia já está aquecida desde fevereiro de 2009. Não saímos da crise há três meses, mas há 15 meses. Só que o passo agora está mais acelerado do que no período pré crise.

O que eu esperava que começasse a acontecer em janeiro de 2010 está acontecendo desde fevereiro de 2009.

A crise chegou, não foi marolinha nem tsunami, mas foi tão profunda quanto rápida. Neste instante, estamos em ritmo mais alto do que entre 2003-2008, quando a pobreza caiu 43% e quando 31,9 milhões de pessoas subiram às classes ABC, o equivalente a mais de meia França.

Entre 2010 e 2014 serão mais 36 milhões subindo às classes ABC. Para isso, teremos de crescer 5,3% per capita ao ano.

Pela Pnad, a economia cresceu 5,3% per capita real, já descontados o crescimento da população e a inflação. Pelo PIB, crescemos 1,5 ponto abaixo, em média, por ano. Ao mesmo tempo, tivemos uma redução forte da desigualdade, que vem desde 2001 e se acelerou entre 2003 e 2008.

Agora é a combinação dessa projeção de 5,3% e o mesmo ritmo de redução da desigualdade de 2003 a 2008. Se conseguirmos repetir isso daqui para a frente, a pobreza, que caiu de 50 milhões para 29,9 milhões entre 2003 e 2008, cai de 29,9 milhões para 14,5 milhões, à metade.

Ao contrário de outros ciclos de crescimento, que não distribuíam a renda, este é diferente. O que acontece agora não é igual ao que aconteceu no Plano Cruzado (1986) ou no próprio Plano Real (1994).

Frases

“A Meta do Milênio (das Nações Unidas) é reduzir 50% (da pobreza) em 25 anos. Portanto, estamos fazendo 25 anos em 5”

“Você vai à casa dos brasileiros como essas pesquisas vão e perguntam: como é que está a sua vida? Quanto dinheiro você tem? O brasileiro está melhorando de vida e acho que tem fatores mais estruturais (por trás disso)”

MARCELO NERI
chefe do Centro de Pesquisas Sociais da FGV-Rio

RAIO-X

NOME
Marcelo Cortes Neri, 47

FORMAÇÃO
Doutor em economia pela Universidade de Princeton e mestre e bacharel em economia pela PUC-RJ

CARREIRA
Autor de vários livros, é especialista em relações no mercado de trabalho, política de salários, políticas sociais, educação e distribuição de renda

CARGO ATUAL
É chefe do Centro de Políticas Sociais vinculado à Fundação Getulio Vargas (CPS/FGV) e ministra aulas no curso de graduação, mestrado e doutorado da FGV

Para especialistas, programas sociais precisam melhorar

DE SÃO PAULO

Diante da tendência de redução do número de pobres no Brasil, especialistas em distribuição de renda defendem modificações na abrangência do principal programa assistencial do governo Lula, o Bolsa Família.

Para Lena Lavinas, da UFRJ, é equivocado assumir que o programa “bateu no teto” em relação à sua abrangência ao cobrir hoje mais de 12 milhões de famílias.

Pelos seus cálculos, 48% das pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza não foram ainda alcançadas pelo Bolsa Família.

No município de Nova Iguaçu (RJ), por exemplo, há cerca de 40 mil beneficiários, quando deveriam ser 75 mil, afirma.

Lena Lavinas defende também tornar constitucional o direito ao recebimento.

O economista Sérgio Vale, da MB Associados, diz que o valor do benefício poderia ser elevado à medida que beneficiários forem integrados ao mercado de trabalho.

“O valor do Bolsa Família poderia ser quatro vezes maior do que é hoje”, diz.

Ademir Figueiredo, do Dieese, defende ainda que o próximo governo persiga a mesma política de Lula de aumentar o valor real do salário mínimo.

Há opiniões contrárias a isso, já que o mínimo corrige também os benefícios da Previdência -e os aumentos têm impacto nessa conta.

“O crescimento do emprego e dos salários faz a economia e a arrecadação tributária aumentarem mais rapidamente, equilibrando as contas”, afirma Figueiredo.

“O Brasil precisa abandonar a tendência de achar que o pobre custa caro”, diz, referindo-se aos que criticam os impactos do salário mínimo sobre a Previdência. (FCZ)