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Crônica: A Previdência imprevidente (2)

No dia 9 de outubro de 1821, em Lisboa, no Livro das Leis, folha 23, da Chancelaria Mor da Corte de Reino, foi registrada esta Carta de Lei do dia 29 de setembro de 1821:
“Dom João, por Graça de Deos e pela Constituição da Monarquia, rei do Reino Unido de Portugal, Brazil e Algarves, d´aquem e d´alem mar, em Africa & C. Faço saber a todos os meus Súbditos que as Cortes Decretarão: ´As Cortes Geraes, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portugueza´, reconhecendo que hum dos meios de promover a Instrucção Publica he contemplar as pessoas que dela são encarregadas, decretarão:
1º. Os Professores e Mestres Régios, de hum e outro sexo, de primeiras letras, Grammatica Latina e Grega, Rethorica e Filosofia, que por hum espaço de trinta annos contínuos ou interpolados houverem regido louvavelmente, e sem nota, as suas respectivas cadeiras, serão Jubilados com vencimento de todo o seu Ordenado”.
2. “Aquelles Professores, Mestres, ou Mestras, que, apezar de compreendidos no artigo 1º, quizerem todavia e poderem continuar no exercício do Magistério, perceberão de mais em cada hum anno a quarta parte de seus respectivos Ordenados.”
“Paço das Cortes, em 29 de setembro de 1821”.

Portugal
Nascia, assim, em 29 de setembro de 1821, a Previdência Social no Reino Unido de Portugal, Brazil e Algarves, através de um “Decreto das Cortes”, que Dom João VI, “Rei por Graça de Deos e pela Constituição da Monarquia”, mandou “executar tão inteiramente como nele se contém”.
Começava bem, com a aposentadoria integral (“Jubilação com vencimento de todo o seu Ordenado”) dos professores e professoras (“Professores e Mestres Regios de hum e outro sexo, desde as ´primeiras letras´ até ´Grammathica Latina e Grega, Rethorica e Filosofia”).
E no Brasil? Há uma incrível coincidência ou competência de comunicação, para aqueles tempos ainda tão pouco comunicáveis. Dois dias depois, 1º de outubro de 1821, seu filho, o Príncipe Regente Pedro de Alcântara, só proclamado Imperador Dom Pedro Iº um ano depois, em 12 de outubro de 1822, assinava Decreto “concedendo aposentadoria, na época denominada jubilação, aos mestres e professores com 30 anos de serviço”.

Brasil
O Decreto seria o primeiro texto legal que registra assunto relativo à Previdência Social no Brasil. “Anteriormente, em 1793, fora instituído um plano de proteção dos oficiais da Marinha que concedia pensão à viúva e aos filhos dependentes. Os órfãos e viúvas de oficiais da Marinha de Guerra passaram a contar com um plano de beneficência em 1795, e, em 1827, o mesmo benefício foi criado no âmbito do Exército. Já em 1835, um programa de amparo vinha em socorro dos funcionários do Ministério da Economia, abrangendo o pessoal do Estado de um modo geral.”
São uma coisa só o homem, a hora e a história. A história é a hora acontecendo. A hora é o homem fazendo a história acontecer. Pressionada pelas lutas do homem, a história vai surgindo do ventre do tempo.

Correios
Cada passo foi fruto de longo processo, permanente e irreversível.
“A primeira medida governamental no Brasil com efeito prático e que de alguma forma apresenta características previdenciárias mais consistentes data de 1888, quando o Decreto n. 9.912, de 26 de março, regulamentou o direito à aposentadoria dos empregados dos Correios.”
“Nesse mesmo ano de 1888, foi criada uma Caixa de Socorros em cada uma das Estradas de Ferro do Império. Ainda nos fins do século XIX, foram instituídos o Fundo de Pensões do Pessoal das Oficinas de Imprensa; a aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil, posteriormente estendida a todos os ferroviários do Estado; o Montepio Obrigatório dos Empregados do Ministério da Fazenda e aposentadoria por invalidez e pensão por morte para os operários do Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro e seus dependentes.”
Era a Previdência Social engatinhando no Brasil.

O cadáver
Em 1894, o jornalista e escritor Medeiros e Albuquerque, abolicionista e republicano, deputado por Pernambuco e pelo Rio de Janeiro, depois senador por Pernambuco, exilado na Europa de 1910 a 16 por combater a candidatura do marechal Hermes da Fonseca, apresentou um projeto criando um sistema de seguro contra acidentes do trabalho.
Em 1908, os deputados Graco Cardoso, depois presidente de Sergipe de 1922 a 26, e o paulista Altino Arantes, presidente de São Paulo de 1916 a 20, apresentaram projetos criando o seguro de acidentes do trabalho.
A vitória só viria na histórica greve operária de 1917, em São Paulo, a maior de todas daquelas duas primeiras décadas do século:
“Do outro lado da rua, o comandante da tropa da cavalaria ordena que a multidão se disperse. Há um momento de tensão e silêncio. Em seguida, ecoa a fuzilaria. A polícia dispara sobre os operários e a cavalaria investe contra a multidão. Sobre a calçada da Fábrica Mariangela, há um operário mortalmente ferido. É José Martinez, jovem anarquista de 22 anos.”
Era 9 de julho de 1917. O primeiro 9 de julho de São Paulo. O futuro caminha sobre mortos. Afinal, a Previdência chegou (como veremos terça).