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Custo Brasil, uma sobrecarga de 36%


Segundo estudo inédito da Abimaq, produzir no Brasil sai muito mais caro do que na Alemanha e nos EUA

Marcelo Rehder

O chamado Custo Brasil, conjunto de fatores que comprometem a competitividade e a eficiência da indústria nacional, encarece em média 36,27% o preço do produto brasileiro em relação aos fabricados na Alemanha e nos Estados Unidos. Somado ao câmbio valorizado, esse custo ajuda a explicar a tendência de especialização cada vez maior do País em exportar produtos primários e semimanufaturados, e de importar mais produtos de maior valor agregado e de tecnologia avançada.

“Imagine que um alemão apaixonado pelo clima tropical resolvesse trazer sua fábrica de porteira fechada para o Brasil, incluindo mão de obra e máquinas. O preço do mesmo produto que ele fabrica hoje na Alemanha subiria automaticamente 36,27% só pelo simples fato de passar a produzir no Brasil”, diz o empresário Mário Bernardini, assessor econômico da presidência da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Bernardini coordenou estudo inédito da Abimaq que mede o Custo Brasil pela primeira vez nos últimos 20 anos. “Todo mundo sabe que o Custo Brasil existe, mas nunca ficou claro o tamanho do problema”, comentou o empresário ao apresentar o trabalho em reunião plenária da Abimaq em São Paulo na semana passada.

Ele ponderou que, na verdade, trata-se de uma tentativa de avaliação, pois foram mensurados oito itens e o Custo Brasil tem ao menos mais outros 30 que não se consegue transformar em números.

“É um piso, pois seguramente o número é maior que 36%, já que não engloba tudo e foi comparado com países que não são os mais baratos do mundo”, disse Bernardini ao Estado.

Segundo ele, se a comparação fosse com a China, o número dobraria de tamanho. “Fomos conservadores de forma proposital, pois o mundo inteiro tem problemas com a China”, disse o diretor de Competitividade da Abimaq, Fernando Bueno.

Entre os componentes do Custo Brasil medidos pela Abimaq estão o impacto dos juros sobre o capital de giro, que na média gera custo 7,95% superior ao dos concorrentes internacionais, e preços de insumos básicos, cuja diferença de custos é de 18,57% entre a produção nacional e a americana e alemã. Outros fatores de custo adicional: impostos não recuperáveis na cadeia produtiva (2,98%), encargos sociais e trabalhistas (2,84%), logística (1,90%), burocracia e custos de regulamentação (0,36%), custos de investimento (1,16%) e custos de energia (0,51%).

“Corremos o risco de ver parte do setor produtivo ser transformado em montador, numa indústria que só tem casca e cujo conteúdo vem de fora”, alerta o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, assessor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Setor de máquinas e equipamentos perde espaço no mercado mundial

País cai da 5ª para a 15ª posição no ranking e alguns fabricantes deixam de produzir para revender produtos importados

Marcelo Rehder

Sem condições de competir em pé de igualdade com os chineses, fabricantes de máquinas e equipamentos deixam de produzir no Brasil e passam a importar e revender produtos asiáticos no mercado doméstico com o carimbo da sua marca. Cada vez mais empresas tradicionais como a Kone, fabricante de máquinas-ferramenta (tornos, furadeiras e fresadoras) de Limeira (SP), são obrigadas a substituir a produção local por importações da China e Taiwan para não ter de fechar as portas.

Sob o ponto de vista técnico, os equipamentos nacionais são competitivos. Do ponto de vista financeiro, no entanto, a competitividade fica comprometida devido a fatores alheios ao controle dos fabricantes, como a taxa de câmbio.

Os fabricantes de máquinas sofrem impacto do chamado Custo Brasil maior que a indústria brasileira como um todo. De acordo com a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), o conjunto de custos internos que só existem no País onera em 43,85% a produção nacional de bens de capital comparada com a fabricação na Alemanha e Estados Unidos (ver quadro ao lado).

A desvantagem comparativa com a China não foi medida, mas a organização estima que esteja perto dos 100%. Para o conjunto das indústrias brasileiras, o acréscimo é de 36,27%.

“Já deixamos de fabricar a maioria dos nossos equipamentos e, dentro de seis meses, vamos avaliar se passamos a ser exclusivamente importadores, coisa que não gostaríamos”, diz o presidente da Kone, Marcelo Cruañe.

Ele afirma que o processo de substituição começou há cerca de três anos. Na época, a mudança enfrentou a oposição do seu pai, Enock Cruañe, presidente do Conselho de Administração da empresa.

“Meu pai, que tem hoje 78 anos, foi capitão de empresa por quase 60 anos e demorou para se convencer de que se não importássemos máquinas da China a empresa quebraria”, conta o executivo. “Compramos 10 máquinas chinesas, vendemos em uma semana; compramos mais 20 e vendemos em 15 dias. Só assim meu pai deu o braço a torcer.”

Desde então, a empresa vem de vento em popa. De 50 a 60 máquinas, passou a vender 270 a 320 por mês. O quadro de pessoal, que nos tempos áureos chegou a mais de 400 funcionários, hoje não passa de 100. Contudo, a lucratividade triplicou. “O preço de uma máquina chinesa não paga sequer a matéria-prima no Brasil. O quilo do ferro fundido aqui custa cerca de US$ 3 e eu compro máquina chinesa pronta por R$ 2,5 a R$ 3 o quilo.”

DESINDUSTRIALIZAÇÃO

O caso da Krone não é um exemplo isolado. “Está havendo um processo de desindustrialização no Brasil”, diz o presidente da Abimaq, Luiz Aubert Neto. Ele lembra que o País já foi o quinto maior produtor de máquinas do mundo há alguns anos e hoje ocupa a 15ª posição.

Um dos segmentos mais prejudicados é o de válvulas industriais, equipamentos usados em obras de saneamento básico, indústrias de açúcar e álcool e petróleo, entre outros. A participação de mercado dos equipamentos nacionais, que era de 60% há quatro anos, hoje não passa de 20%, diz o presidente da SMV Válvulas Industriais, Erfrides Bortolazzo Soares.

De acordo com ele, a maioria dos fabricantes brasileiros deixou de produzir totalmente ou determinadas linhas no País e passou a trazer produtos de fora, principalmente da China. A própria SMV importa um complemento de linha originário do país asiático.

Para a Abimaq, ainda que indispensáveis para a sobrevivência das indústrias nacionais, os esforços para melhorar a produtividade acabam compensando apenas pequena parte da desvantagem brasileira. “Só investir em equipamentos, processos, tecnologia e inovação não basta diante do peso do Custo Brasil”, afirma Aubert Neto.

Nos últimos três anos, a fabricante de guindastes Madal Palfinger, de Caxias do Sul (RS), investiu para aumentar a produtividade em 30%. Ainda assim não consegue concorrer com o preço baixo chinês no segmento de guindastes telescópicos. O gerente da linha de produtos para a América do Sul, Silvio Gatelli, diz que os equipamentos chineses custam cerca de 50% menos que os brasileiros. “O preço de um guindaste telescópico nosso de 30 toneladas de capacidade máxima, junto com um caminhão, sai em torno de R$ 1 milhão. Por esse mesmo valor, os chineses colocam na porta do cliente uma máquina de 70 toneladas, mais que o dobro da capacidade da nossa”, informa Gatelli.

Como se não bastasse a enorme vantagem comparativa, representantes dos produtos chineses no Brasil ainda se deram ao luxo de promover uma liquidação de guindastes no fim de 2009, com oferta de descontos de até R$ 300 mil.

“Para desovar o estoque de máquinas ano 2009 e começar 2010 com maquinário do ano, o preço dessas máquinas foi reduzido de R$ 1 milhão para R$ 700 mil”, diz o executivo. Segundo ele, os chineses já dominam 95% do mercado brasileiro de guindastes telescópicos. Existem cinco fabricantes no País. “Continuamos competitivos no segmento de guindastes articulados, mas nossos concorrentes que não fabricam essa linha terão sérios problemas.”