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Indústria tem crescimento recorde, mas já se desacelera

 


Alta recorde de 10,5% não se repetirá por causa do impacto negativo do câmbio

Enfraquecida pela crise, base de 2009 contribuiu para o bom resultado; bens de capital tiveram forte expansão em 2010

PEDRO SOARES
DO RIO

Apesar da perda de competitividade provocada pelo câmbio, a indústria brasileira deixou a crise para trás e fechou 2010 com crescimento de 10,5%, o mais elevado desde 1986.

A indústria, porém, já viveu dias melhores. Seu pico de produção ocorreu em março de 2010, quando o setor ainda sentia os reflexos positivos das desonerações fiscais do governo, lançadas na crise para estimular ramos como o automotivo, a construção e o de eletrodomésticos da linha branca.

Enfraquecida pela crise, a própria base de comparação de 2009 também impulsionou o resultado do setor. Já o real valorizado conteve a atividade fabril de importantes ramos, que convivem com exportações em queda e invasão de importados.

Tal efeito se mostrou mais intenso ao final de 2010. Em dezembro, a produção da indústria surpreendeu e caiu 0,7% ante novembro, taxa acima do esperado. Desde agosto, a indústria vinha num processo de estagnação, mas perdeu ainda mais força em dezembro.

Nem mesmo as encomendas de final de ano ajudaram. “Certamente, o câmbio contribuiu para uma desaceleração maior da indústria, o que deve se manter em 2011”, prevê Sérgio Vale, economista da MB Associados.
Vale diz que, diante disso, a hipótese de que um acúmulo excessivo de estoques segurava o desempenho da indústria caiu por terra.

Já para André Macedo, do IBGE, esse impacto responde em parte a perda de ritmo da indústria, embora considere também “importante” o efeito do câmbio.
“Há uma flagrante perda de competitividade de se produzir no país [em decorrência da valorização do real]”, acrescenta o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).

Para a LCA, a indústria perdeu ritmo e será também afetada em 2011 pela menor confiança de empresários e pela política monetária mais restritiva, com novas rodadas de alta de juros. O câmbio, avalia, também vai segurar a expansão do setor.

Diante desse cenário, a consultoria revisou para baixo sua projeção de crescimento da indústria em 2011 -de 4% para 3,5%. Vale diz que o PIB, porém, tende a crescer ainda na faixa de 4,5% graças ao bom desempenho do setor de serviços, inume ao impacto cambial.

A indústria só não irá pior em 2011, diz Vale, porque o governo dá sinais de que manterá políticas fiscal e monetária “frouxas” neste ano, sem conseguir debelar a inflação -que deve fechar o ano em 6%, acima de 2010.

BOA NOTÍCIA
O perfil do crescimento da indústria sinalizou, por outro lado, a retomada dos investimentos no ano passado: a categoria de bens de capital liderou a expansão, com alta recorde de 20,8% em 2010, também a maior desde 1986.
O resultado mais do que devolve a retração de 17,4% de 2009, quando a crise derrubou os investimentos do setor produtivo.


Setores afetados pelo câmbio também se destacaram


JULIANA ROCHA DE BRASÍLIA

O aumento das importações, o real valorizado e a concorrência chinesa não impediram a indústria brasileira de crescer mais que o restante da economia.

Mesmo setores que reclamam das condições do comércio internacional tiveram desempenho positivo no ano passado, graças ao aquecido mercado interno.

As indústrias de brinquedos, têxtil, de calçados e de siderurgia são exemplos das que pedem proteção.

Elas registraram aumento nas vendas internas de mais de 9%. No caso do setor siderúrgico, que teve o melhor desempenho entre essas, as vendas internas cresceram 30% e as exportações, 4%.

Já a produção industrial do ano passado cresceu 10,5%, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

IMPOSTO MAIOR

O setor de brinquedos foi agraciado em 2010 com o aumento do imposto de importação para 35%, o máximo permitido pelo Mercosul.

Os outros três setores contam com medidas antidumping (aplicadas nos casos em que o produto é importado por preço menor que o praticado no país de origem) já em vigor e outras em avaliação.

Segundo o presidente da Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), Synésio Batista, foi necessário cortar preços para concorrer com os chineses.

A estratégia permitiu que o setor roubasse 5% do mercado dos importados. E as empresas faturaram 11% mais que no ano anterior.

Os setores apontam que o consumo nacional garantiram o bom desempenho.

Mas, preocupados com o cenário internacional, mantêm o discurso de que é preciso criar mecanismos de proteção contra os estrangeiros para evitar prejuízos e a temida desindustrialização.

O argumento da indústria foi aceito pelo governo. A ordem da presidente Dilma Rousseff é tomar medidas para aumentar a competitividade brasileira.

No alto escalão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, proteção comercial é considerada uma obrigação.

Mas a ajuda não será indiscriminada, nem serão eleitos “os setores vencedores”, avisou a secretária de Desenvolvimento da Produção, Heloísa Menezes.

O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, diz que o governo está fazendo um diagnóstico dos setores que mais sofrem os efeitos do real valorizado e da competição chinesa antes de fechar a política industrial.

China vai matar a produção, dizem empresários


DE BRASÍLIA

Representantes de setores afetados pelo câmbio dizem que a indústria não sobreviverá à concorrência chinesa no longo prazo.

Além de ter uma moeda artificialmente desvalorizada, o que torna o preço dos produtos mais atrativo em dólar, a carga de impostos da China é menor e o governo oferece incentivos em dinheiro para exportadores.

“O brinquedo paga 42% de imposto no Brasil e 1,5% de imposto na China”, diz o presidente da Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), Synésio Batista.

Heitor Klein, diretor da Abicalçados, afirma que o setor cobra proteção contra o comércio vindo da Ásia porque esses produtos chegam de forma ilegal. “Tem espaço para todo mundo se as importações vierem de maneira leal”, diz.

Apesar da competição, as vendas de calçados aumentaram 9% em 2010 no mercado nacional e as exportações, em 12,5%.

As vendas da indústria têxtil cresceram 10% no mercado interno, mas o presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), Aguinaldo Diniz Filho, afirma que é um risco ser sustentado só pelo mercado interno.

O presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo, disse que uma preocupação é o crescimento da relação entre importação e consumo, que passou de 4% para 20%. (JR)