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Inflação pode voltar a subir no 2.º semestre

Após deflação, preços de alimentos e dissídios aumentam pressão sobre índices
Márcia De Chiara – O Estado de S.Paulo
Os riscos inflacionários persistem para segundo semestre e 2011, apesar do resultado favorável exibido por vários indicadores de preços nos dois últimos meses. Em junho, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou inflação zero e o IPCA-15 de julho teve deflação de 0,09%.
Também o Índice Geral de Preço Mercado (IGP-M) atingiu a menor variação do ano em julho e subiu 0,15%. A inflação bem comportada foi um dos motivos que levaram o Banco Central a reduzir o ritmo de alta da taxa básica de juros, a Selic.
Mas os economistas alertam para fatores que podem desequilibrar esse cenário favorável, como a alta dos preços dos alimentos, os dissídios salariais de grandes categorias e a forte indexação que persiste na economia.
“A batalha da inflação não está ganha”, afirma a economista chefe da Bradesco Asset Management (BRAM), Ana Cristina Gonçalves da Costa. Ela observa que os índices baixos em junho e julho resultaram de uma coincidência de fatores transitórios. Entre eles, ela aponta a correção da alta exagerada dos alimentos no início do ano, a liquidação antecipada de itens de vestuário e a grande safra de cana, que reduziu os preços do etanol.
Na opinião do economista chefe da MB Associados, Sergio Vale, a alimentação poderá ser problema para a inflação no segundo semestre. O fenômeno climático La Niña, que provoca períodos maiores de seca é uma ameaça para a produtividade de várias lavouras, como feijão, arroz, trigo, além de afetar as pastagens e a produção de carne e de leite.
Também o economista chefe da Sul América, Newton Rosa, alerta para o quadro adverso de oferta de alimentos no segundo semestre. “Poderemos ter surpresa”, diz ele, que tem dúvidas sobre a continuidade dos baixos índices de inflação.
Dados do IGP-M mostram que os preços das matérias primas brutas agropecuárias subiram 0,90% em julho, num ritmo maior que o registrado no mês anterior (0,27%). Salomão Quadros, coordenador de Análises Econômicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca a alta dos preços dos bovinos e das aves no atacado.
Em junho, os preços dos bovinos e das aves no atacado tinham registrado deflação de 0,20% e 1,46%, respectivamente. Em julho, os preços dos bovinos aumentaram 1,99% e o das aves, 4,05%. Para Quadros, o cenário ainda é incerto, apesar da queda de preços das matérias primas industriais, que reflete a desaceleração do ritmo de atividade no Brasil e no exterior.
Rigidez. Além do risco de alta dos produtos agropecuários, Ana Cristina, afirma que há outros a serem considerados. O segundo semestre, diz ela, é caracterizado por forte concentração de dissídios de categorias numerosas e importantes.
Também a queda na taxa de desemprego e a magnitude dos reajustes salariais concedidos neste ano são apontados pela economista como fatores de resistência à queda da inflação. De janeiro a maio, os aumentos salariais obtidos pelos trabalhadores da indústria paulista, por exemplo, superaram, em média, 1,32% a inflação. O reajuste é superior à media de 0,54% obtida em igual período de 2009.Vale, da MB, acrescenta outro fator de resistência. “A indexação é muito forte na economia. Por isso é fácil a inflação voltar”, diz ele.
Segundo Ana Cristina, mais da metade (53,4%) do IPCA é formado por preços administrados e serviços, que estão atrelados a outros índices de inflação, como o IGP-M. O indicador já subiu 5,85% de janeiro a julho.
Um exercício prospectivo para o IPCA de 2011 feito pela economista, levando em conta hipóteses conservadoras, isto é, alta de 4,3% dos preços administrados; 6,8% dos serviços e 6,7% de reajuste de preços dos produtos não comercializáveis, exceto serviços, mostra que seria preciso que os preços dos produtos comercializáveis subissem, apenas, 2,7% em 2011 para que a inflação do ano que vem ficasse no centro da meta (4,5%). Itens comercializáveis são aqueles cujas cotações sofrem influências externas e podem ser importados
“Essa contribuição dos produtos comercializáveis não é trivial”, frisa ela. Um aumento dessa magnitude nos preços de produtos comercializáveis, observa, só foi alcançado após a crise de 2008, quando a economia mundial bateu no fundo poço.
Contraponto. Fabio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, não vê a inflação sob risco nem por fatores domésticos nem externos. “É preciso avaliar a formação de preços em escala global. Hoje, no mundo, as cotações das matérias primas estão razoavelmente controladas. Além disso, o Brasil é razoavelmente globalizado.”