Notícias

Múltis do Brasil param operações no Egito

África: Funcionários serão trazidos de volta por falta de segurança


Marcos de Moura e Souza | De São Paulo

Duas das maiores empresas brasileiras com negócios no Egito, a Marcopolo e a Randon, interromperam suas operações no país por causa da tensão política que se mantém elevada há uma semana em razão dos protestos que exigem o fim do governo do presidente Hosni Mubarak.

A Marcopolo, fabricante de ônibus, decidiu ontem trazer de volta ao Brasil três funcionários após ser informada pelo sócio egípcio que a situação se agravou e que, além da insegurança, já há o risco de faltar comida e combustível.

Diversas empresas estrangeiras e locais – entre elas Volkswagen, Nissan, BG e Statoil – estão fechando as portas temporariamente ou reduzindo o ritmo por causa das dificuldades operacionais provocadas pelas manifestações e pelo toque de recolher, das 15h às 8h, em vigor desde o fim da semana passada. Bancos e o mercado financeiro não funcionaram ontem.

Manifestantes, que ontem saíram às ruas pelo sexto dia seguido, convocaram para hoje um grande protesto no qual esperam reunir 1 milhão nas ruas contra o regime ditatorial de Mubarak, que resiste desde 1981. Uma greve geral também foi marcada para hoje. Mais de 150 pessoas já morreram em confrontos com a polícia e mais de 1.000 foram detidas desde o início dos protestos.

“Estamos em contato com o nossos pessoal a cada quatro horas. E hoje [ontem] tomamos a decisão de retirar os brasileiros que estão lá por questão de segurança”, disse ao Valor o diretor de estratégia e marketing da Marcopolo, Ruben Bisi.

A empresa, que em 2008 firmou uma joint venture com a egípcia GB Auto para montagem e comercialização de ônibus, tem três homens no país: o controler, o diretor comercial e o diretor de fábrica. Dois deles estão acompanhados de suas mulheres. Os funcionários chegaram ao Egito na quarta-feira, um dia depois do primeiro protesto. Logo, foram orientados a deixar a capital e se instalar em Ain Sokhna, mais perto de Suez, onde está a fábrica. “Mas agora o nosso sócio disse: ´Não consigo dar segurança a eles e podemos ficar sem combustível, sem comida e sem transporte´”, contou Bisi. Segundo ele, a Marcopolo tinha elaborado um “plano B e um plano C”, que incluiu a compra de um estoque de alimentos. Mas acabou optando por retirar os funcionários.

A fábrica está parada desde quinta-feira. Os transportes públicos estão em frangalhos no Cairo e em outras cidades sacudidas pelos protestos e começa a faltar combustível. Além disso, os telefones e a internet estão falhando. “O problema é que os funcionários não estavam conseguindo chegar ao trabalho. Só quem morava perto podia ir. Ficamos com só 20% da mão de obra”, contou Bisi. A planta tem cerca de 900 trabalhadores.

A joint venture, cujo investimento programado é de US$ 50 milhões, já produz 1.000 unidades de ônibus por ano para o Egito, norte da África e Oriente Médio.

Segundo Bisi, o sócio egípcio da Marcopolo é um empresário que tem diversos negócios e um exército de mais 7 mil funcionários. Mais do que isso, “é muito ligado ao meio político e tem várias fontes de informação”.

“Na reunião do board em dezembro, já sabíamos que havia alguns sinais de convulsão social por conta do desemprego alto, que aumentou após a crise internacional”. A avaliação do parceiro, no entanto, era que a reação nas ruas durasse pouco, diz Bisi.

A outra companhia brasileira que tenta se adaptar à turbulência dos últimos dias é a Randon – que assim a Marcopolo é gaúcha de Caxias do Sul. A empresa mal começou sua experiência no Egito. Firmou no ano passado um acordo no com a empresa privada Egypt Power para a montagem de carretas com a marca Randon. O plano: exportar US$ 5 milhões de peças do Brasil no primeiro ano e US$ 10 milhões no quinto ano de operações. A fábrica egípcia fica numa zona industrial do Cairo.

“Estamos parados desde que as manifestações começaram [na terça-feira passada]. A decisão é voltar ao trabalho somente quando as coisas se nornalizarem”, disse ontem por telefone ao Valor Jasivan Carvalho, representante da Randon baseado em Dubai, que vem mantendo contato diário com os parceiros da companhia.

Carvalho, que ontem estava em uma localidade do Iraque perto de Mossul, disse que a preocupação era com a segurança dos funcionários. “O feedback que tive hoje [ontem] de lá é que há muita insegurança nas ruas, muitos presos fugidos e que os moradores estão se organizando para a fazer a própria segurança e controlar o tráfego.”

A Randon não tem funcionários brasileiros no Cairo, mas teve de driblar os protestos que se propagam desde o fim do ano passado pelo norte do África e Oriente Médio. O sócio que a Randon tem com outra nação do norte da África, a Argélia, teve sua empresa invadida por manifestantes dias atrás, quando o país também viveu dias de protestos. O funcionário foi retirado de lá e enviado para o que seria um local mais seguro, o Egito. Sua estada foi curta. Ele voltou para Argélia, hoje mais calma.

O que as duas companhias brasileiras ouvem de seus interlocutores egípcios é que as manifestações no Egito deverão durar mais no máximo uma semana. Avaliações sobre o futuro político, no entanto, não têm sido um forte do país nos últimos dias.