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Pitty canta “Desconstruindo Amélia”

Hoje as novas ondas que inundam o debate cultural e político, ondas que, de modo geral, quebram nas rochas do neoliberalismo e nas rochas da negação da luta de classe, trazem ventos que arejam as ideias sobre a situação da mulher. Esse movimento merece atenção uma vez que oferece referências para um perfil mais realista das mulheres.

Uma dessas referências é a música da cantora baiana Pitty, Desconstruindo Amélia. Os ventos que trazem Pitty não são os da MPB. Roqueira, sua música é contestadora por natureza. E ela usou com sabedoria tais prerrogativas, de roqueira e contestadora, para virar do avesso uma das mais populares canções brasileiras: Ai! que saudade da Amélia, de Mario Lago e Ataulfo Alves. Lançada em 1942, Amélia é a melhor (ou a pior) expressão daquilo que se espera da mulher em um mundo machista. E, ao que parece, foi com base no repúdio a esta ideia que a cantora produziu, em 2009, uma espécie de anti-Amélia, a mulher que cansou de representar um papel que não escolheu, que “vira a mesa e segue o jogo”.

Pitty e sua música são a cara do nosso tempo. Ela coloca no cenário elementos que tornam ainda mais estranhas ideias como “Logo vou esquentar seu prato; Dou um beijo em seu retrato; E abro os meus braços pra você”. O cuidado aqui fica por conta do risco de esse debate ser colocado como um fim e não como parte de uma visão mais ampla da luta social e de combate aos opressores.

Só em um mundo emancipado, que contemple não só a questão de gênero, mas os anseios de todos os trabalhadores, homens, mulheres, homossexuais, negros, brancos, enfim, todos, a Mama África de Chico César, a Tigresa de Caetano e a Amélia de Pitty, são grandes.

Desconstruindo Amélia
(Composição: Pitty/2009)
Intérprete: Pitty

Já é tarde, tudo está certo
Cada coisa posta em seu lugar
Filho dorme, ela arruma o uniforme
Tudo pronto pra quando despertar

O ensejo a fez tão prendada
Ela foi educada pra cuidar e servir
De costume, esquecia-se dela
Sempre a última a sair

Disfarça e segue em frente
Todo dia até cansar
E eis que de repente ela resolve então mudar
Vira a mesa, assume o jogo

Faz questão de se cuidar
Nem serva, nem objeto
Já não quer ser o outro
Hoje ela é um também

A despeito de tanto mestrado
Ganha menos que o namorado
E não entende o porquê
Tem talento de equilibrista
Ela é muita, se você quer saber

Hoje aos 30 é melhor que aos 18
Nem Balzac poderia prever
Depois do lar, do trabalho e dos filhos
Ainda vai pra night ferver

Disfarça e segue em frente
Todo dia até cansar (Uhu!)
E eis que de repente ela resolve então mudar
Vira a mesa, assume o jogo
Faz questão de se cuidar (Uhu!)
Nem serva, nem objeto
Já não quer ser o outro
Hoje ela é um também

Uhu, uhu, uhu
Uhu, uhu, uhu

Disfarça e segue em frente
Todo dia até cansar (Uhu!)
E eis que de repente ela resolve então mudar
Vira a mesa, assume o jogo
Faz questão de se cuidar (Uhu!)
Nem serva, nem objeto
Já não quer ser o outro
Hoje ela é um também

Fonte: Centro de Memória Sindical