Notícias

Pressão de Collor e Sarney leva Dilma a recuar de sigilo

Governo: Comissão da Verdade poderá requisitar documentos a despeito do grau de classificação

Raymundo Costa | De Brasília
Alan Marques/Folhapress

Sarney: “Não podemos fazer o Wikileaks da história do Brasil, da construção das nossas fronteiras”

A pressão de dois ex-presidentes da República e de parte do Itamaraty levou o Palácio do Planalto a recuar em relação ao projeto de Lei de Acesso à Informação aprovado, ano passado, na Câmara dos Deputados com o aval do governo. O texto votado acabou com o sigilo eterno sobre documentos governamentais classificados de ultrassecretos, fixando-o no limite de 50 anos. No Senado, onde se encontra atualmente, o projeto sofreu restrições dos ex-presidente José Sarney e Fernando Collor. Fragilizado politicamente e em fase de reorganização de sua base de sustentação parlamentar, o governo cedeu às pressões.

“A nossa vontade é de que nós possamos restabelecer o projeto original, aquele que foi encaminhado ao Congresso durante o governo do presidente Lula”, disse a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais), a nova responsável pela coordenação política do governo. Segundo Ideli, o projeto do governo passado ” foi negociado e quem estava à frente da negociação era a atual presidente Dilma”, afirmou. Ideli também assegurou que o governo não gostaria de retirar a urgência da votação, “mas gostaríamos de poder ter o retorno ao projeto original”. Na véspera, o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), havia afirmado o contrário, ou seja, que seria retirado o pedido de urgência.

O projeto enviado ao Congresso pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reduziu o prazo de classificação dos documentos ultrassecretos de 30 anos para 25 anos, mas manteve o critério de renovações indefinidas. Para outros graus de sigilo o projeto de Lula avançou nas mudanças: o prazo de classificação dos papéis secretos que era de 20 anos com a possibilidade de uma renovação caiu para 15 anos, sem renovação. A categoria “confidencial” deixou de existir, e foi mantido o prazo de cinco anos para o sigilo dos documentos “reservados”, sem possibilidade de renovação, como prevê a atual legislação.

Os argumentos de Sarney e Collor são antigos e já foram debatidos quando o projeto foi enviado à Câmara pelas mãos da atual presidente da República, Dilma Rousseff, então chefe da Casa Civil do Palácio do Planalto. A mudança aprovada na Câmara dos Deputados em relação aos documentos ultrassecretos ocorreu mediante um acordo do qual participou o governo. Na esteira da crise política que envolveu o governo, Sarney e Collor manifestaram-se favoráveis a que o Senado tivesse mais tempo para discutir o assunto. O Ministério da Defesa não se manifestou, e as eventuais restrições das forças militares não mudaram em relação à data de votação na Câmara.

Sarney disse ontem que não se pode fazer um Wikileaks da história do Brasil, numa referência ao site responsável pela divulgação de cerca de 250 mil documentos da diplomacia americana. “Eu acho que nós não podemos fazer Wikileaks da história do Brasil, da construção das nossas fronteiras”, disse o ex-presidente, numa sugestão de que entre os papéis cujo conteúdo o governo não quer revelar está a negociação com a Bolívia para a incorporação do Acre ao território brasileiro. Relatórios sobre a Guerra do Paraguai também são mencionados frequentemente.

“Se pegarmos todo o nosso acervo histórico do Itamaraty, da construção das fronteiras do Brasil e formos divulgar neste momento, nós vamos abrir feridas com nossos vizinhos”, argumentou Sarney. “Os nossos antepassados nos deixaram esse país com as fronteiras consolidadas. Por que vamos agora abrir para esses países?”, perguntou o presidente do Senado. Sarney. O senador disse que não está preocupado com a abertura do sigilo de documentos recentes. Mas essa é uma questão que causa inquietação nos familiares dos desaparecidos políticos na época do regime militar.

Fontes oficiais informaram o Valor, no entanto, que a Comissão da Verdade a ser instalada no Congresso, nos termos do acordo feito entre o Ministério da Defesa e a Secretaria de Direitos Humanos, terá prerrogativa para requisitar qualquer documento que julgar necessário às investigações, independentemente do seu grau de classificação. O próprio projeto da Lei de Acesso à Informação aprovado pela Câmara diz que documentos relativos a crimes contra os direitos humanos não terão restrição de acesso. O temor dos que defendem o texto já votado é que a mudança no prazo de sigilo dos documentos ultrassecretos seja apenas uma brecha para outras mudanças.
(Com agências noticiosas)