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Reforma trabalhista traz oportunidades para sindicatos

Apesar de criticada pela maioria das entidades sindicais, a reforma trabalhista é vista por alguns como uma oportunidade de fortalecimento dos sindicatos

A taxa de sindicalização brasileira é superior a de países como França, Estados Unidos, México e Chile. Por outro lado, como o resultado das negociações são extensivos a todos, não há tanto interesse dos trabalhadores em se sindicalizar. Dados do IBGE e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que quase dois terços das entidades possuem menos de 500 membros. A pesquisa “Aspectos das Relações de Trabalho e Sindicalização”, produzida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com o MTE em 2015 revelou que os principais motivos para a “não sindicalização” dos trabalhadores eram: desconhecimento de qual sindicato representava sua categoria (26,4%); falta de serviços que os interessassem (23,6%); não representava seus interesses ou não acreditava no sindicato (16,6%).

Excesso de organizações

Mesmo assim, de acordo com um estudo feito pelo Ipea e publicado em dezembro de 2016, existem hoje em nosso país 16.491 entidades sindicais, que representam tanto trabalhadores (11.240) quanto empregadores (5.251). Só entre 2005 e 2013, foram criados 250 sindicatos por ano. Para efeito de comparação, existem 130 sindicatos nos EUA, 170 no Reino Unido, 90 na Argentina e apenas 11 na Alemanha.

“Na verdade, apesar de haver poucos sindicatos nesses países, existem várias representações dentro das indústrias, como se fossem vários ‘braços’ do sindicato”, diz João Carlos Gonçalves, o Juruna, Secretário Geral da Força Sindical. Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT) também pondera o número de sindicatos no exterior. “Eles têm representações nas cidades e dentro das empresas, uma espécie da capilaridade, então o número real é muito maior”. Mesmo assim, Patah concorda que a proliferação de sindicatos no Brasil passou dos limites. Para ele, faltam regulamentação e fiscalização, e esse deveria ser o foco do debate envolvendo as centrais sindicais, o governo, a Justiça do Trabalho e o Ministério Público.

Para completar, a chamada “unicidade sindical” estabelece que, em cada região ou cidade, cada categoria profissional possa ser representada por apenas um sindicato, o que também incentivou a proliferação, a fragmentação e principalmente a falta de competitividade entre entidades sindicais. O cenário mudaria caso o Brasil ratificasse a convenção 87 da OIT, que prevê a liberdade sindical. Adotada na maior parte do mundo, a norma permite mais de um sindicato da categoria no mesmo município, dando ao trabalhador a opção de escolher a qual deles se filiar e fazendo com que as entidades mais efetivas conquistem mais associados. Os argumentos contra o pluralismo sustentam que ele enfraquece o poder dos sindicatos, pois “divide” o movimento.

Um sindicato em cada esquina

A razão para essa proliferação está no fato de os sindicatos terem recursos garantidos, pois desde a década de 1930 há a cobrança de contribuições compulsórias sobre os salários, que custeiam os sindicatos. Na opinião de Fernando Botelho, Professor do Departamento de Economia da USP, “é fundamental ter sindicatos fortes em uma democracia, mas estamos longe disso. A maior parte foi criada para ter acesso aos recursos da contribuição sindical, que acaba sendo um grande incentivo para criar um sindicato no Brasil”.

Além disso, os sindicatos contam com financiamento do estado, por meio da contribuição sindical. O imposto foi instituído por Getúlio Vargas no decreto-lei que criou a CLT e equivale a um dia de trabalho de todo empregado com registro em carteira. Em 2016, as entidades arrecadaram 3,5 bilhões de reais, a maior parte proveniente da contribuição sindical que, com a reforma trabalhista, deixará de ser obrigatória a partir de novembro.

Para o cientista político e professor da Universidade Federal do ABC, Sidney Jard da Silva, autor do livro Companheiros servidores: o sindicalismo do setor público na CUT, as centrais sindicais cumprem um papel político importante de representação dos trabalhadores frente ao governo, empresariado e demais setores da sociedade, mas o fato de elas receberem dinheiro do governo mina sua autonomia. “Por um lado há o interesse dos sindicatos nesses recursos, e por outro há o interesse do Estado em manter a atual estrutura e seus mecanismos de financiamento e dependência.”

E sem a contribuição sindical?

Desde julho, quando foi aprovada a reforma trabalhista, as entidades já se movimentam para tentar aprovar outro imposto para compensar o fim da contribuição sindical. A proposta é que, em vez de ter um dia de trabalho descontado todo ano, o valor da contribuição seja decidido anualmente em assembleia, mas também seria compulsória a todos os trabalhadores. Em comunicado enviado à reportagem, a CUT afirmou que “sempre defendeu a substituição do imposto sindical por uma contribuição negocial, desde que ela seja aprovada pelos trabalhadores em assembleia e tenha piso e teto definidos”.

Para a CUT, que diz poder sobreviver sem a contribuição sindical, não é verdade que as entidades não consigam sobreviver sem o recurso. Atualmente, já são cobradas dos filiados as contribuições confederativa e a assistencial, sendo a primeira fixada em assembleia geral e a segunda nos acordos de convenção coletiva, que só pode ser debitada dos que autorizarem seu pagamento. Os associados também pagam mensalidade sindical.

O presidente da UGT, Ricardo Patah, discorda. Ele acha que a maioria das entidades depende do imposto sindical e a proposta é manter apenas uma nova contribuição (chamada de contribuição por negociação coletiva), que substituiria, além da contribuição sindical, a assistencial e a confederativa, que seriam extintas.

Fernando Botelho, da USP, chama a atenção para a questão da representatividade nessas assembleias: “o problema é quem vai decidir, quanto, quando e como cobrar essa nova contribuição. Como a maioria não participa, alguns sindicalistas acabam decidindo o que vão descontar de todo mundo”, afirma. Na prática, o valor da nova contribuição pode ser até maior que o atual, caso o percentual aprovado em assembleia seja maior que o correspondente a um dia de trabalho, como é hoje.

Representação afetada?

Além de acabar com a contribuição sindical, a nova lei permite, a partir de novembro, acordos individuais entre trabalhadores e empresas que prevalecem sobre a lei; cria comissões de trabalhadores em empresas com mais de 200 funcionários, que podem negociar com os patrões; e libera demissões involuntárias da homologação pelo sindicato.

Apesar de criticada pela maioria das entidades sindicais, a reforma trabalhista é vista por alguns como uma oportunidade de fortalecimento dos sindicatos, já que antes toda a negociação poderia ser anulada pela Justiça do Trabalho, sob a alegação de que algum acordo contrariava a legislação. “A reforma trabalhista reforça o negociado sobre o legislado, flexibiliza algumas relações e também formaliza muita coisa que já acontecia na prática. A nossa CLT é da década de 1940, uma realidade completamente diferente de hoje”, defende Fernando Botelho. A UGT e a Força Sindical também acreditam que, apesar de alguns pontos ainda precisarem ser discutidos, a reforma pode dar mais força e legitimidade aos sindicatos.

Na visão de Fernando Botelho, os sindicatos “de fachada” ou pouco atuantes devem desaparecer, e os que sobreviverem devem se reorganizar. “Eles vão ter que mostrar serviço e convencer a base, e por isso serão mais fortes e atuantes. Mas o ideal é que vivam de contribuições espontâneas, dadas por filiados que vejam neles uma entidade que os representa e que luta por seus direitos.”

Juruna, da Força Sindical, afirma que cerca de 30% dos sindicatos não faz acordo coletivo há dois anos, então muitos poderiam ser extintos, enquanto outros devem se fundir. Está na mesa uma oportunidade para os sindicatos se libertarem da estrutura corporativa e da dependência do Estado e voltarem a atuar como lideranças dos trabalhadores – único caminho possível para contribuir com a melhoria das relações de trabalho no Brasil.