Opositor tunisiano Moncef Marzouki afirma que populações ficaram autoconfiantes
SAMY ADGHIRNI
DE SÃO PAULO
Após as revoluções na Tunísia e no Egito, quem passou a ter medo são os regimes, não mais as pessoas.
O diagnóstico foi feito por Moncef Marzouki, proeminente ativista de direitos humanos, em entrevista à Folha, por telefone, de Túnis.
“As ditaduras já morreram nos corações e espíritos”, afirma Marzouki, 66.
Após o fim das ditaduras na Tunísia e no Egito, outros regimes árabes cairão?
O sistema de governo árabe é baseado em quatro princípios: poder absoluto de um homem só; direito de sua família à predação; reino pelo terror e pelo serviço secreto; e simulacro de instituições democráticas. O empobrecimento e a humilhação gerados por esse sistema só podem levar à revolta.
Por que a revolta que funcionou na Tunísia e no Egito não poderia ocorrer em outros lugares? É só uma questão de tempo.
O efeito de contágio age no nível psicológico. Os povos se dão conta de que são capazes de abater ditaduras, e isso lhes dá muita coragem.
As ditaduras árabes já morreram nos corações e nos espíritos; agora, estamos vendo os primeiros enterros.
Mas não há sinal de revolta na Arábia Saudita, na Síria, nos Emirados Árabes…
Antes de dezembro, a Tunísia era um exemplo de estabilidade. O Egito também.
É preciso desconfiar desses ambientes de tranquilidade aparente. É a calma antes da tempestade. Não se trata de verdadeira calma.
Nos países europeus, há agitação permanente que reflete o estado democrático. A agitação é sinal de vivacidade e energia. Nas ditaduras, a estagnação reflete o medo.
Nenhum governo árabe merece elogios?
Nenhum. Há casos como os das monarquias do golfo Pérsico, que têm dinheiro suficiente para comprar o silêncio da população. Em Marrocos, o governo tem astúcia para organizar um sistema pseudodemocrático e deixar as pessoas se expressarem.
Mas, fundamentalmente, os sistemas são os mesmos.
Todas as repúblicas árabes irão desmoronar, e as monarquias deverão escolher entre se tornar monarquias parlamentares ou desaparecer.
Como vê a preocupação em torno do Egito, onde o poder passou para o Exército?
Os egípcios, assim como os tunisianos, tomaram consciência de sua força e se juntaram como um povo unido, sem medo de nada.
O medo mudou de lado. Houve uma mudança de rumo radical e irreversível. Isso significa que o Exército hoje administra o poder sob o olhar de um povo decidido a não ser mais oprimido.
Na Tunísia, também estamos patinando para implementar estruturas democráticas. O importante é a revolução nas cabeças. Estamos diante de novos povos, cheios de autoconfiança.
As turbulências pós-revolução são um mal necessário?
A Revolução Francesa [1789] levou um século para atingir seus objetivos. No mundo árabe não levará tanto tempo. Tudo bem se forem dois, três ou dez anos.
Como vê o temor de que a democracia nos países árabes resulte em teocracias?
Os islamistas, tanto na Tunísia como no Egito, querem fazer parte do jogo democrático. Não foram eles que fizeram a revolução. A revolução foi do povo. Os islamistas nem querem ter candidato nas eleições presidenciais, para não reforçar temores.
Isso dito, há outros islamistas, manipulados ou infiltrados pela polícia, que estão queimando sinagogas na Tunísia, para assustar o Ocidente. São marginais sem influência na vida política.