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Tragédia e exemplo

Só mais iniciativas de solidariedade podem responder à sensação de desesperança provocada com o terremoto no Haiti

EM QUALQUER país do mundo, uma tragédia como a que atingiu o Haiti, nesta terça-feira, não teria como deixar de provocar reações de extrema consternação e prontas iniciativas de solidariedade internacional.
Parece haver, entretanto, uma contingência de particular crueldade no fato de o terremoto, de grande intensidade, ter ocorrido no país mais pobre das Américas, que em 2008 fora castigado por uma sequência de tempestades tropicais, da qual resultou cerca de um milhão de desabrigados.
Com um total de 9 milhões de habitantes, o Haiti tem uma renda per capita anual de US$ 1.300, que corresponde a um terço da registrada na Bolívia. O analfabetismo atinge 45% dos adultos; o índice de mortalidade infantil, de 49 crianças por mil nascidas vivas, é duas vezes maior do que a média brasileira.
Não bastasse isso, a política haitiana foi varrida pela violência civil na primeira metade desta década. A intervenção das forças da ONU, a partir de 2004, vinha recentemente trazendo alguma estabilidade ao país.
O desastre no Haiti concerne de modo especial o Brasil, que assumiu papel preponderante nos esforços internacionais de pacificação e reconstrução daquele país.
Em meio à precariedade das informações até agora, confirma-se a morte de mais de uma dezena de militares brasileiros.
Ao lado dessas vítimas -sacrificadas, para honra do país, durante uma missão de paz-, lamenta-se igualmente a perda de Zilda Arns, médica brasileira cuja atuação na luta contra a pobreza e a mortalidade infantil, à frente da Pastoral da Criança, adquiriu amplo reconhecimento mundial.
Da cidade de Florestópolis (PR), onde iniciou seu trabalho em 1982 (diminuindo, em um ano, de 12,8% para 2,7% o índice de mortalidade infantil), estendeu a 2 milhões de crianças e 80 mil gestantes o número de beneficiados pelo programa no Brasil. O modelo da Pastoral da Criança foi seguido internacionalmente. Assim como fizera em vários países, Zilda Arns visitava o Haiti para levar, de viva voz, sua experiência e sua mensagem.
Aos 75 anos, morreu sem desistir do propósito, certamente distante, mas não impossível, de vencer a miséria e tornar mais digna a vida humana.
Diante de mais essa tragédia, num país que não cessa de lutar contra o próprio destino, cabe sem dúvida guardar seu exemplo: o de não ceder ao desespero, e recomeçar, ainda uma vez, o trabalho da reconstrução. Ao Brasil cabe participar, com os recursos materiais e humanos de que já dispõe, dos esforços internacionais nesse sentido.