Notícias

Violência, juventude, economia e educação


Por Jorge Werthein

A saída para o fim da escalada homicida entre os jovens está na educação de qualidade para todos ao longo de toda a vida

Entre 1997 e 2007, morreram vítimas de homicídios no Brasil 512,2 mil pessoas. O dado, do Ministério da Saúde, está presente no recém-lançado Mapa da Violência 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil, do pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz. A obra é um amplo painel da situação e da evolução dos homicídios na década 1997-2007 e, por isso mesmo, oferece numerosas possibilidades de abordagem. Uma delas tem especial relevância em vista da contundência dos dados. Trata-se do ângulo da juventude.

Os maiores índices de homicídio no Brasil concentram-se na faixa de 15 a 24 anos de idade (o pico está entre os 20 e os 21 anos). Em 1980, as taxas de homicídio de não jovens (pessoas fora dessa faixa etária) foram de 21,1 a cada 100 mil; já em 2007, essa taxa caiu para 19,8 em 100 mil. Entre os jovens, se a taxa de homicídios, em 1980, foi de 30 em 100 mil jovens, ela saltou para 50,1 em 2007. Com base no Mapa, portanto, pode-se afirmar que, a partir da década de 1980, o aumento dos homicídios no país deve-se ao crescimento dos homicídios entre jovens.

Em uma perspectiva internacional, a situação do Brasil tampouco é confortável. O país ocupa a 6ª posição entre os 91 países mais violentos para um ano compreendido entre 2003 e 2007. O Brasil vem logo abaixo de nações com evidentes problemas com gangues juvenis, como El Salvador e Guatemala, ou países de longa história de guerrilhas e narcotráfico, como a Colômbia. A situação do Brasil, com 50 homicídios a cada 100 mil jovens, encontra-se bem longe da de países como Japão, Hong Kong, Islândia ou Cingapura, que quase não apresentam homicídios de jovens, ou a de países como Itália, Polônia, Grécia, Suécia, Coreia, Austrália, Reino Unido, França, Noruega, Suíça, entre outros, que registram menos de um homicídio em 100 mil jovens.

Com isso, verifica-se que a violência homicida entre jovens não é fenômeno universal, mas tem caráter social e cultural. O que a explicaria, então, em países como o Brasil e outros em situação pior ou semelhante? Segundo o estudo de Waiselfisz, o Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, explica apenas 11,2% da variação dos índices totais de homicídio. Já o PIB per capita permite uma associação bem mais segura com os índices de homicídio, ao explicar 18,7% das taxas totais. Curiosamente, a renda per capita afeta bem menos os índices de homicídio juvenil do que os índices de homicídio não jovem. No entanto, os indicadores relativos à concentração ou distribuição de renda apresentam elevada correlação com essas taxas, sobretudo os do indicador que só considera os extremos da distribuição: quantas vezes a renda dos 10% mais ricos é maior que a dos 10% mais pobres. Nesse caso, o coeficiente de correlação gira em torno de 0,700, com poder de determinação total de 47,9%. Ou seja, quase 48% da variação dos índices de homicídio total explica-se pela variação dos índices de concentração de renda.

O estudo vai além ao demonstrar que, diferentemente do que acontece com o indicador de pobreza, o referente à concentração da renda explica melhor os homicídios juvenis (50,7%) do que os homicídios não jovens (45,2%). Em suma, os diversos efeitos e manifestações da concentração de renda afetam mais os jovens. O índice Gini, um segundo indicador de concentração de renda, ao levar em conta toda a distribuição, tem comportamento muito semelhante ao anterior, ainda que reflita níveis menores de associação. Portanto, mais do que a pobreza absoluta ou generalizada, é a pobreza dentro da riqueza, os contrastes entre ambas, ao maximizar e dar maior visibilidade às diferenças, que teria maior poder de determinação dos níveis de homicídio de um país.

Uma análise puxa a outra, e o Mapa da Violência – em sintonia com numerosos estudos na mesma linha -também aponta a estreita relação entre concentração de renda e educação. Alguns desses estudos dão conta de que entre 30% e 50% das disparidades de renda têm origem nas desigualdades educacionais. Estabelece-se, então, uma lógica. Se aproximadamente 50% dos índices de homicídio explica-se pela concentração de renda, e se essa concentração no Brasil tem sua principal fonte nas diferenças educacionais de sua população, pode-se inferir que a saída para o fim da escalada homicida, sobretudo entre os jovens brasileiros, está na educação de qualidade para todos ao longo de toda a vida, como propõe a Unesco.

Uma educação de qualidade para todos tem o poder de desviar da criminalidade crianças e jovens, graças às diversas oportunidades que oferece. Certamente um menino ou um jovem com vocação para as Ciências, por exemplo, se estimulado, preferirá uma carreira de cientista à de traficante de drogas. A ausência da educação ou sua má qualidade podem desestimular o estudante e indiretamente levá-lo ao mundo da criminalidade. É preciso, portanto, romper com o círculo vicioso – pobreza, educação ausente ou precária, violência, morte – e instaurar um círculo virtuoso em seu lugar: educação de qualidade, aumento de renda, redução da violência, vida longa e saudável aos jovens do Brasil.

Jorge Werthein, doutor em Educação pela Stanford University, ex-representante da Unesco no Brasil, é vice-presidente da Sangari Brasil.