Cresce a sensação e se expande a consciência entre dirigentes, militantes e assessores sindicais de que há necessidade de o sindicalismo promover profundas mudanças, no Brasil e no mundo. Essa percepção, algumas vezes vem acompanhada de certo imobilismo decorrente da complexidade dos fenômenos em curso, da extensão dos ataques recebidos e da perplexidade diante da agenda regressiva em termos de direitos, proteção social e laboral.

Há múltiplos processos disruptivos na base do sistema produtivo, nas relações sociais de produção e na propriedade do capital. A dominância da lógica financeira sobre as formas de geração de riqueza e renda, sobre o papel do Estado, sobre o sentido da liberdade, da igualdade e da solidariedade impactam todos os acordos e contratos sociais realizados nas últimas décadas, em especial no pós-Segunda Guerra.

Portanto, a perplexidade diante dos fenômenos em curso é também dar-se conta do contexto vivido. O fundamental para os sindicatos é investir para compreender essas complexidades e elaborar caminhos de enfrentamento e estratégias de superação. Fácil de falar, difícil de fazer.

A percepção da necessidade de mudança: o movimento, a organização e a estrutura

As dificuldades para iniciar ou manter a continuidade de movimentos de base dos trabalhadores, às vezes expressos por uma certa apatia, por um aparente desinteresse ou, ainda, por um individualismo exacerbado. Parece que a solidariedade perdeu o poder de encantar e a consciência de classe deixou de ser um ativo mobilizador de transformações. Há uma sensação de mercantilização das relações sociais de produção onde predomina a nefasta competição por um posto de trabalho. Há uma naturalização de que os seres humanos são apenas um recurso aplicado no processo de produção, vendido e comprado no mercado de trabalho segundo sua empregabilidade.

Os dirigentes sindicais têm dificuldades para materializar formas organizativas devido ao histórico impedimento no Brasil do acesso deles ao chão das empresas, pela inexistência do direito de organização no local de trabalho, pelas práticas anti-sindicais de perseguição e de demissão de quem se aproxima do sindicato, entre outros aspectos.

As novas ocupações, dispersas e sem local fixo de trabalho, multiplicam-se. As várias formas de contratação e de vínculos laborais rompem com o assalariamento clássico enquanto as jornadas de trabalho parcial fragmentam a inserção laboral e pressionam sua extensão. A terceirização e outras formas de compor a estrutura produtiva, por sua vez, isolam os trabalhadores e os afastam dos sindicatos presentes na estrutura das grandes empresas. A informalidade e as ocupações precárias e vulneráveis, sem proteção sindical, se multiplicam e ocupam os espaços no centro da estrutura capitalista de produção. Aplicativos, plataformas, uberização, home office e conectividades múltiplas ocupam o novo mundo do trabalho que expande a fragmentação, a precarização e a vulnerabilidade.

Há um claro processo regressivo na quantidade e qualidade dos empregos com proteção sindical, laboral, social e previdenciária. O sindicalismo enfrenta a adversidade de olhar as transformações em curso e de prospectá-las, muitas vezes olhando pelo retrovisor a história de um passado de conquistas sendo destruídas, oportunidades de novos direitos perdidas e que agora cobram o preço da sua ausência.

Nesse novo mundo do trabalho em irrupção declina a eficiência e a eficácia da atual organização sindical, gravemente fragmentada no Brasil. Desafiados a inventar novas formas organizativas, dirigentes afastados do local de trabalho, sem conhecer e dominar o chão da empresa e a nova dinâmica das relações sociais de produção, têm dificuldade para dizer onde começar.

Na história do sindicalismo o movimento e a organização dos trabalhadores ganharam caráter perene ao se institucionalizar como estrutura sindical com atribuições legais de representação coletiva e compondo um sistema de relações de trabalho e do direito laboral.

Nessa institucionalidade, tantas vezes ultrapassadas pelas lutas que a obrigaram mudar e avançar, ocorreu o processo de ampliação da própria proteção sindical oriunda dos acordos celebrados. Os direitos trabalhistas se colocaram como patamar protetivo, a partir do qual os sindicatos avançaram nas negociações coletivas e proporcionaram a proteção social oriunda das políticas públicas previdenciária e de seguridade social, da universalização do acesso à educação, saúde, transporte, moradia que se constituem os patamares básicos de igualdade de condições.

Tudo isso faz parte do passado e está sendo destruído ou desmontado. Agora, a dinâmica dominante é de regressão nas diferentes dimensões da institucionalidade das relações sociais de produção. A flexibilidade é um atributo para dar às empresas liberdade para atuarem com garantia jurídica.

Nesse contexto de complexidades, o movimento dos trabalhadores está desafiado a produzir respostas inovadoras para a organização e institucionalização. A classe dominante quer ampliar a sua hegemonia com a ideia de que o sindicalismo não faz mais sentido. Pelo contrário, em um período de radical transformação da sociedade, o sindicalismo está justamente desafiado a ser a força social capaz de protagonizar movimentos de luta dos trabalhadores na disputa sobre o sentido das múltiplas dimensões do mundo do trabalho e da vida em sociedade.

O sentido histórico da luta

Verão de 1880. Marx e família estavam no balneário de Ramsgate, sudeste da Inglaterra. Quem conta a cena é Mary Gabriel no belo livro “Amor e Capital: A saga da família de Karl Marx e a história de uma revolução”. Assim nos conta Mary: “De forma surpreendente, Marx convidou John Swinton, um jornalista reformista liberal de Nova York para visitá-lo… Swinton diria que ficara aguardando a tarde inteira o momento de fazer uma pergunta a Marx sobre o que o jornalista chamou de a lei definitiva do ser”. Por fim, surgiu uma oportunidade, e ele perguntou: “E qual é essa lei?” Marx olhou para o mar agitado e a multidão na praia e respondeu: “A luta!”.

Marx participou ativamente dos movimentos dos trabalhadores e dos processos organizativos que estão na base política do surgimento do sindicalismo, forma solidária dos trabalhadores e trabalhadoras se colocarem em movimentos de luta e na qual desenvolvem sua consciência de classe. A luta é a manifestação concreta da decisão de intervir nos rumos da história e de tomar em suas mãos o seu destino.

O sindicalismo foi a resposta dos trabalhadores às transformações no sistema produtivo e no mundo do trabalho desencadeados pelo desenvolvimento industrial a partir do fim do século XVIII. E lá se vão quase 200 anos desde os primórdios do movimento e da organização sindical, que acompanharam as profundas mudanças e as revoluções industriais promovidas no chão do sistema produtivo e na estruturação das empresas.

Desde meados do século XIX inúmeras e múltiplas trajetórias de lutas se espalharam por todos os continentes, à medida que a economia se industrializava e as formas capitalistas de organização econômica ganhavam terreno. Essas lutas colocaram os trabalhadores como protagonistas de outras possibilidades históricas para as relações sociais de produção e para a distribuição dos frutos do trabalho coletivo, respondendo àquilo que o processo de produção organizava no âmbito das empresas, especialmente as industriais.

As lutas sindicais desencadearam transformações profundas nas sociedades concretas. Reformas e revoluções se fizeram porque os trabalhadores se colocaram em lutas sociais e desenvolviam sua consciência de classe com a qual prospectavam utopias – algo que ainda não existe, mas que pode ser construído.

A condição proletária é a marca da presença dos trabalhadores durante o período da primeira Revolução Industrial no qual predominou o pauperismo, a exclusão e a extrema vulnerabilidade em termos de condições de trabalho. É nesse contexto que a solidariedade se desenvolveu na forma de movimentos e consciência de classe, que emerge pela oposição ao capital e ao empregador.

Lutas e mais lutas se fizeram, muitos morreram para que mudanças se processassem. A organização emerge das lutas e dos movimentos, fortemente ancorada no local de moradia.

O desenvolvimento tecnológico das fontes de energia, do transporte e da comunicação ampliaram as bases para a inovação das máquinas, a expansão do comércio e das empresas pelos continentes. Na primeira metade do século passado, a organização científica da produção (fordismo e taylorismo) otimizou os processos produtivos e ajustou, ainda mais, o controle da jornada de trabalho, favorecendo o surgimento das grandes empresas que reúnem milhares de trabalhadores.

Na base do sistema produtivo ampliado, em permanente inovação e incremento da produtividade, a organização sindical ganhou presença no local de trabalho. Os operários se constituíram em uma força social que transformou sua condição salarial, aumentando a remuneração do trabalho, o que lhes conferiu poder de consumo. As relações de produção ganharam caráter de relações de trabalho que asseguravam direitos conquistados a partir de lutas que rompiam com as regras estabelecidas e dominantes. Em síntese, o movimento avança como organização sindical integrante de um sistema institucionalizado de relações de trabalho.

A condição assalariada com direitos, que caracteriza a presença dos trabalhadores na indústria, assim como suas lutas e organização, ultrapassou os limites das fábricas e ocupou espaços nas relações de trabalho dos setores que se estruturavam e cresciam em decorrência do aumento da demanda pelo poder de consumo dos operários. Junto com essa expansão da condição de assalariamento em todos os setores econômicos, vieram as iniciativas de movimentos e organização dos trabalhadores para melhorar os salários, proteger as condições de trabalho, reduzir e controlar a jornada de trabalho, proteger a saúde e garantir o direito à aposentadoria desses novos assalariados.

As lutas e a organização ultrapassaram o espaço da empresa e o sindicalismo ganhou expressão histórica em diversas lutas que resultaram na estruturação do Estado moderno, na conformação das democracias, no surgimento dos partidos políticos, no direito ao voto universal, nas formas de proteção social e laboral, entre tantas outras conquistas que se tornaram universais.

A solidariedade e o movimento dos trabalhadores adquirem ao longo do tempo perenidade organizativa e institucionalidade materializadas em sistemas de relações de trabalho, no direito do trabalho, nos atributos das negociações coletivas, no caráter dos acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho.

No Brasil, essa trajetória ganhou dinâmica no início do século passado. Em 1917, ocorreu a primeira grande greve geral, movimento conduzido pelos operários e comerciários em São Paulo, que conquistaram melhores condições de trabalho e aumento dos salários. Nos anos 1940, o presidente Getúlio Vargas interfere no sindicalismo existente com uma nova institucionalidade por meio da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em 1º. de maio de 1943. Além da proteção do trabalho na forma de direitos trabalhistas, a CLT impôs e normatizou limites para a organização sindical existente, regulou as relações coletivas de trabalho e atribuiu papéis ao Estado na solução de conflitos.

Anos depois, durante a saída da ditadura militar, o sindicalismo jogou papel determinante nos movimentos contra a carestia e defesa da democracia. O novo sindicalismo emergiu das bases sociais nas comunidades e nos locais de trabalho. Os trabalhadores organizaram oposições sindicais para disputar a direção dos sindicatos, muitos dirigidos por interventores impostos pelo governo militar. Surgiram as Centrais Sindicais, no início dos anos 80, e novos partidos políticos ocuparam a cena disputando eleições legislativas e executivas. Essa trajetória teve seu ápice com a eleição de Lula para presidente, em 2002, líder oriundo das bases sindicais metalúrgicas.

Nos anos 1980 e 1990 esse sindicalismo enfrentou a agenda da redemocratização, da crise econômica, da carestia e da hiperinflação, dos processos de reestruturação produtiva e da desindustrialização nascente. Nesse contexto o sindicalismo brasileiro também se reestrutura para construir o movimento, a organização e a institucionalidade atuais.

Ao longo dessas décadas, em cada contexto histórico e nas bases da inovação do sistema produtivo, os trabalhadores se colocaram em movimento para produzirem a força social e política organizativa e institucional que permite que se apresentem como sujeito coletivo coetâneo com os desafios de cada momento para enfrentar as complexidades do presente. As respostas inovadoras vieram sempre que o movimento conseguiu reunir forças para olhar para o futuro, imaginá-lo transformado pela capacidade política de trilhar outro caminho.

A inovação da luta faz parte da história do sindicalismo que responde às mudanças no mundo do trabalho. Atualmente uma complexidade inédita de fatores exigem do movimento, da organização e da institucionalidade respostas criativas. Isso requer um apurado olhar sobre o presente, um audacioso modo de ver o futuro e imaginação para o movimento inovar as formas de luta e de organização.