Por Tainara Machado | Valor Econômico
Clemente Lúcio: “Demitir para contratar com salário mais
baixo está difícil, porque o salário de ingresso cresce”
Encontrar trabalhadores no mercado formal dispostos a receber salários menores do que os pagos aos desligados é uma missão cada vez mais difícil para as empresas. A diferença entre a remuneração dos admitidos em relação aos demitidos está caindo desde 2002, série apenas interrompida em 2009, por causa da crise internacional, quando essa relação deu um salto e ficou em 13,8%.
Desde então, em função do mercado de trabalho apertado e da política de valorização do salário mínimo – que tende a elevar o piso de diversas categorias -, essa diferença se reduziu a 7,3%, em 2010, e 6,5%, em 2011, segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). No primeiro trimestre de 2012, o salário dos admitidos foi, em média, apenas 4,5% menor do que o dos desligados.
Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese, ressalta que a relação é um termômetro do atual momento do mercado de trabalho. Para ele, é natural que a diferença exista, já que os trabalhadores que deixam a empresa têm, em geral, salários mais altos, tanto por causa de benefícios embutidos na remuneração, como hora extra, quanto por promoções internas.
Ainda assim, essa diferença vem se estreitando desde 2003 e, para Lúcio, é um comportamento que tende a ser duradouro. “Se, no passado, havia a prática de demitir trabalhadores que ganhavam mais para contratar um empregado de salário mais baixo, hoje está mais difícil fazer isso, porque o salário de ingresso cresce rapidamente.”
Isso acontece em parte por causa do aumento do salário mínimo, que passou de R$ 465, em 2009, para R$ 622 neste ano, alta nominal de 33%, associado ao fato de que parte relevante das contratações se situa na faixa de remuneração de até dois mínimos, avalia o diretor do Dieese.
João Saboia, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ressalta que é natural que os demitidos ganhem mais do que os admitidos porque têm mais experiência, mas vê no estreitamento da relação um fato positivo, reflexo da melhoria do mercado de trabalho.
Para José Márcio Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-RJ), “a diferença está diminuindo por uma razão simples. A correlação com a queda da taxa de desemprego é muito alta. Mesmo com a elevação observada em março, para 6,2%, ela continua baixa, tanto para os padrões nacionais quanto internacionais”. Em alguns casos, o aumento das oportunidades de trabalho em ritmo mais rápido do que a população que busca um emprego tornou a diferença ainda menor. No caso do setor de serviços, a média dos salários dos admitidos foi apenas 3,9% menor do que a dos desligados.
Camargo acredita que a desoneração da folha de pagamentos de 15 setores da indústria poderá gerar uma pressão adicional ao mercado de trabalho. Ele avalia que, embora num primeiro momento a desoneração dos encargos configure uma redução de custo, um efeito secundário será o aumento da competição pela mão de obra e o aumento dos salários.
A remuneração dos admitidos nunca superou a dos desligados, mas a inversão dessa relação não é impossível, diz Camargo. “Se o trabalhador conseguir encontrar oportunidades com salários mais altos em outras empresas – e esse movimento se intensificar -, é possível que o salário dos admitidos aumente ainda mais e encoste nos ganhos dos que deixaram o mercado formal”, afirma.
A elevação dos salários iniciais, no entanto, não deverá desencorajar as demissões e nem reduzir a taxa de rotatividade do mercado de trabalho, avalia Saboia. Segundo ele, isso só ocorreria com desaceleração das contratações. Em 2011, a taxa de rotatividade atingiu 29,4%, considerando os demitidos com e sem justa causa. Isso representa o percentual de trabalhadores que foram “trocados” ao longo do ano – um foi demitido e outro foi colocado em seu lugar. No primeiro trimestre de 2012, apesar dos salários mais altos para os contratados, a rotatividade atingiu 7,2% das vagas com carteira assinada, indicando que, no prazo de um ano, o percentual se manteve semelhante ao de 2011.
Para o diretor do Dieese, a rotatividade da mão de obra continuará alta porque os empregos gerados pagam baixos salários e exigem pouca qualificação, o que diminui o incentivo do empregador em treinar e manter o trabalhador. Além disso, diz, parte significativa desses postos está associada com a atividade econômica, como o pedreiro empregado para uma obra com duração certa, que será considerado um desligado quando o empreendimento for finalizado.
No caso da construção civil, ressalta Lúcio, a taxa de rotatividade chega quase a 100%, o que significa que em um ano, o volume de desligamentos é equivalente a praticamente todo o estoque de trabalhadores no setor. O diretor do Dieese sugere uma alternativa, como legislação específica para segmentos em que a produção tem comportamento cíclico.
Rodolfo Torelly, diretor do Departamento de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho, avalia que a criação de regras específicas para cada setor é uma solução possível. No ano passado, o ministério e o Dieese realizaram um estudo sobre rotatividade, que, na opinião de Torelly, serviu para dar início ao debate sobre o assunto. “Em 2012, a ideia é avançar e começar a discutir medidas que poderiam ser tomadas pra trabalhar essa questão. Mas é um longo caminho, são medidas que teriam que passar pelo Congresso.”