Investimento vira arma de pressão sobre metalúrgicos

Valor Econômico
Por Marli Olmos

O esvaziamento da operação da General Motors em São José dos Campos (SP) reflete a estratégia que a indústria automobilística tem usado para reagir às diferentes posturas dos sindicatos de metalúrgicos em relação à flexibilização de jornada. Fábricas das bases regionais onde a organização sindical aceita esse modelo de trabalho recebem os maiores volumes de investimentos. Os recursos são minguados – ou mesmo desaparecem – em regiões com organizações contrárias a horários flexíveis.

As características dessa prática deverão permear as justificativas que dirigentes da GM levarão hoje à reunião que o Ministério da Fazenda convocou para a montadora justificar a ameaça de demissões. Na fábrica de São José dos Campos, atualmente, são produzidos apenas modelos de carros prestes a sair do mercado. A única exceção é a nova versão da picape S-10.

Como o governo já ameaçou suspender a redução do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), em vigor desde maio deste ano, caso a indústria automobilística não mantenha o nível de emprego, a convocação da Fazenda serviu de alerta ao setor para que os representantes da GM sejam claros, na exposição à equipe ministerial, sobre os motivos que a levam a buscar formas enxugar a operação, que hoje conta com excedente superior a 1,5 mil postos de trabalho.

Não é de hoje que as montadoras têm dado preferência a direcionar a produção de novos modelos de veículos para as fábricas das regiões onde os sindicatos aceitam jornada flexível, de acordo com a demanda.

A GM decidiu distribuir entre as unidades de São Caetano do Sul (SP) e Gravataí (RS) a maior parte do programa de investimentos, de R$ 5,1 bilhões, entre 2008 e 2011. Somente Gravataí recebeu R$ 1,4 bilhão para lançamento de novos modelos e ampliação da produção anual de 230 mil para 380 mil veículos. Já a Volkswagen deixou de aplicar recursos em uma de suas três fábricas de automóveis, instalada em São José dos Pinhais (PR), seja em futuros lançamentos ou na necessária ampliação industrial. No último dissídio, no ano passado, a empresa enfrentou greve de um mês ao insistir na flexibilização da jornada, entre outros itens rejeitados pelo sindicato local.

Nem sempre a postura dos sindicatos segue uma lógica relacionada à central à qual pertencem. A GM consegue negociar jornada flexível em Gravataí e São Caetano do Sul, enquanto a Volks não tem o mesmo êxito no Paraná, ainda que os três sindicatos que comandam essas bases sejam ligados à Força Sindical.

Há três meses, a Volks anunciou que apenas as fábricas de São Bernardo do Campo (SP) e Taubaté (SP) – ambas na base sindical da Central Única dos Trabalhadores (CUT) – serão contempladas com o total de R$ 8,7 bilhões do programa de investimentos, que vai de 2012 a 2016, para ampliação industrial e novos produtos.

Também a Nissan escolheu o Rio de Janeiro para erguer nova fábrica, que consumirá investimento de US$ 2,6 bilhões, ao invés de ampliar a que já tem no Paraná. A empresa nunca citou a atuação sindical como empecilho ao investimento em território brasileiro, embora nos bastidores fontes apontem esse como um dos motivos da migração para outro Estado. Já a Renault decidiu permanecer no Paraná e investir na ampliação da sua única operação brasileira.

No caso das montadoras que precisaram ampliar produção para acompanhar o crescimento do mercado, a opção por novas operações ajudou na estratégia. Com a possibilidade de espalhar a produção nas fábricas que foram construídas a partir da onda de incentivos fiscais, nos últimos anos, a indústria automobilística tem usado a ameaça de mudar linhas já existentes, e de investir em novas em outra localização, como forma de pressionar negociações trabalhistas.

O banco de horas é o instrumento mais utilizado hoje no sistema de jornada flexível. Serve para o trabalhador “guardar” horas ou dias não trabalhados em períodos de demanda baixa. Esse “estoque” é desovado quando a produção tem de ser acelerada.

Embora os dirigentes das montadoras não comentem o assunto abertamente, a jornada flexível foi a forma que a indústria encontrou para fugir dos impactos de custos provocados pelas oscilações de demanda. Com a jornada engessada, o setor tem que enfrentar um vaivém de custos: com demissões, quando as vendas caem e, posteriormente, com a necessidade de recontratar mão de obra especializada (ou mesmo treinar novos trabalhadores).

Na crise de 2008, o grupo PSA Peugeot Citroën teve que encerrar a operação do terceiro turno na sua fábrica em Porto Real (RJ), que acabará de criar para aumentar o ritmo de produção.

No comando da maior base de trabalhadores em montadoras, a CUT usa a longa experiência de negociações ao longo de históricas greves e embates no ABC – e a “afinidade com o governo federal”, segundo os opositores – para negociar banco de horas. Foi por meio desse instrumento, principalmente, que as fábricas da Volkswagen, Ford e Mercedes-Benz da base do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC saíram da lista “ameaçada” de esvaziamento pelas próprias empresas.

Essas negociações obedecem limites, no entanto, segundo o presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, Paulo Cayres. Uma das maiores vantagens negociadas pelos sindicatos representados pela entidade, aponta o dirigente, é que o estoque das horas que ficam no banco é pago caso o trabalhador seja demitido. Mas, se por outro lado, houver um “déficit” nesse balanço, não haverá descontos em caso de demissão.

“Temos a cultura da negociação, percebemos que é o melhor caminho”, diz Cayres. Ele aponta sazonalidades de mercado e adaptações de linhas como argumentos que favorecem a criação do banco de horas. “Graças a ele, na Ford de São Bernardo, por exemplo, este ano os operários ficarão 135 dias sem trabalhar, sem que isso traga uma única demissão”, afirma. A maior fábrica da Ford, em Camaçari (BA) também está sob base de controle sindical cutista.

Cayres reconhece, porém, que a ameaça de esvaziamento de operações de regiões onde os sindicatos resistem à negociação tem sido cada vez mais usada pelas empresas como instrumento de pressão. Por isso, a CUT quer tomar a frente numa campanha para unificar contratos de todos os metalúrgicos que trabalham em montadoras. Vai para a área de atuação da CUT a fábrica de motores da GM, em construção em Joinville (SC) e também o futuro empreendimento da Fiat em Goiana (PE). A única fábrica que até agora produz carros Fiat em Betim (MG) está na base de comando da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), uma entidade formada por sindicatos dissidentes da CUT.

A primeira reunião da categoria nessa mobilização será no início de novembro, em São Bernardo do Campo. O salário deverá ser o primeiro ponto a ser abordado, já que o carro tem preço igual em todo o país. Segundo Cayres, remunerações em Minas Gerais, onde está a Fiat, e no Paraná – que abriga Volkswagen, Renault-Nissan e Volvo – equivalem à metade dos salários médios em São Bernardo.

No lado oposto, Luiz Carlos Prates, o “Mancha”, tradicional dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), central formada por dissidentes da CUT alinhados ao PSTU, é um dos principais porta-vozes da ala contrária à flexibilização. Sua bandeira é pela redução da jornada e abertura de novos empregos. Ele diz que a crise nas relações com a GM acontece porque a empresa “quer aumentar sua margem de lucro”.

Mancha também é contra o IPI reduzido, que, a seu ver, “desvia em forma de remessas para o exterior recursos públicos que poderiam ser empregados em serviços como educação”. Mas considera que o benefício do incentivo fiscal deixou agora a “GM apertada” para executar demissões na fábrica de São José dos Campos. “Por isso, achamos que o governo deverá ter uma atitude enérgica para cobrar o compromisso da manutenção dos empregos, acertado no acordo de redução do IPI”, diz.