Governo discute impacto de alta da Selic

Por Claudia Safatle | De Brasília

Embora já esteja no radar do Palácio do Planalto que o Banco Central deve mesmo aumentar a taxa Selic para conter a inflação, muitas dúvidas sobre os reais efeitos da elevação dos juros foram levantadas no encontro da presidente Dilma Rousseff, segunda feira, com o ex-ministro Delfim Netto e os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Yoshiaki Nakano, em almoço no Palácio da Alvorada na segunda feira. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, estava presente. Ao fim do encontro, os conselheiros da presidente tinham pelo menos duas certezas: Dilma “jamais” impedirá que o BC faça seu trabalho; e Mantega não se opõe ao aumento dos juros.

Uma das questões discutidas foi sobre o que deve ocorrer com a taxa de câmbio assim que a Selic começar a aumentar. E uma das premissas colocadas no debate foi que ao acionar os juros para controlar a inflação, o BC não usaria também o câmbio para esse mesmo fim.

Dos três, ficou claro que o mais arredio ao aumento da Selic é Delfim Netto, por várias razões. Uma delas é que, independente do aumento que o Comitê de Política Monetária (Copom) decidir na reunião de abril ou maio, o mercado exigirá mais e provavelmente muito mais do que a autoridade monetária imagina como suficiente para trazer a inflação para sua média histórica, de 5,8%.

Ou seja, em português claro, o BC acabaria sucumbindo às pressões do mercado, que considera que os juros reais de equilíbrio está na casa dos 4% ao ano, o dobro da taxa atual.

O ideal seria combater a persistência inflacionária pela redução da demanda do setor público. Considerando, porém, que a situação fiscal do país hoje é preocupante e não comporta cortes relevantes e efetivos do gasto público, a solução que sobra no curto prazo é a implementação de um ciclo de aperto monetário.

Na visão de alguns dos presentes no encontro com a presidente, a situação fiscal do país se deteriorou de tal forma que retomar o superávit primário de forma vigorosa não é mais um instrumento à mão do governo. Dito isso, fica para os juros a tarefa de combater uma inflação – carregada pelos aumentos de preços dos alimentos e dos serviços – por seus múltiplos canais, inclusive pela valorização da taxa de câmbio.

Com a elevação da Selic os ganhos de arbitragem vão ficar mais generosos. Soma-se a isso a política monetária fortemente expansionista anunciada pelo governo do Japão na semana passada – que pretende dobrar a base monetária nos próximos dois anos – e recrudece a expectativa de que o país voltará a receber uma enxurrada de dólares. Se isso se confirmar, o real tenderá a se valorizar ante o dólar, agravando ainda mais a situação da indústria local. Nesse caso, a postura do BC seria de dar novo ímpeto à acumulação de reservas cambiais, a despeito do custo fiscal decorrente dessa política; e o governo manter os controles cambiais por meio do IOF.

Delfim tem dito e escrito que a raiz da persistência inflacionária está no acúmulo das ineficiências da economia brasileira. O aumento da Selic é a medida mais eficaz e mais horizontal para cortar demanda e conter a variação do IPCA, mas pode acabar por abortar a ainda tênue recuperação da atividade. E as ineficiências não foram enfrentadas.

Um dos fatores que contribuiram para enrijecer os preços foi a redução da taxa de desemprego para o patamar do pleno emprego, de cerca de 5,5%.

Segundo estudos feitos pelo governo, as mudanças estruturais ocorridas no país de 2002 para cá, com o aumento da participação dos serviços na economia e a redução da participação dos jovens no mercado de trabalho, indicam que a taxa de desemprego de 5,5% hoje equivaleria a 6,3% de desemprego em 2002. Ainda assim, o mercado de trabalho está apertado e não deveria ser minimizado o risco de um movimento pró indexação dos salários, segundo um dos economistas que estiveram com a presidente segunda feira.

Outro tema objeto do debate se referiu à indexação dos preços administrados pelo governo. “O governo nunca eliminou a indexação dos seus preços nem dos impostos federais”, comentou um dos presentes no almoço.

O Banco Central mudou a política monetária quando mudou a sua comunicação com os mercados, tornando-a mais dura. Há casos no mundo, e o México antes da semana passada (quando cortou os juros) estava fazendo isso, em que a autoridade monetária tenta segurar as expectativas inflacionárias só com o uso do verbo.

O presidente do BC, Alexandre Tombini, não se comprometeu com os próximos capítulos da novela monetária. Mas há apenas uma hipótese de o Copom não aumentar os juros: se a inflação – e hoje será divulgado o IPCA de março – tiver uma queda importante, se o índice de difusão ficar mais restrito e se os núcleos da inflação cederem de forma relevante. Na visão da autoridade monetária, é hora de minimizar os riscos.