A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre precatórios já começou a ser aplicada, mesmo sem a definição de a partir de quando passará a valer. Em julgamentos realizados nos últimos três meses, os ministros da própria Corte e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) seguiram o entendimento, firmado em 14 de março, sobre a inconstitucionalidade de duas regras previstas na Emenda Constitucional nº 62, de 2009: a aplicação da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária das dívidas e o abatimento de débitos tributários dos precatórios. O STJ, inclusive, já autorizou o sequestro de bens do Estado de São Paulo para quitação de dívidas com um credor.
De acordo com advogados, as decisões dão segurança aos credores de precatórios, especialmente enquanto não é julgado o pedido de modulação dos efeitos do entendimento do Supremo, formulado por Estados e municípios. O objetivo é fixar um período de transição para Estados e municípios se adaptarem à decisão, que proibiu o pagamento parcelado em até 15 anos, e evitar prejuízos aos cofres públicos. “A modulação será para casos específicos, em que o fim do regime especial de pagamentos desorganize as finanças públicas. Mas o Supremo não autorizará o uso de dispositivos inconstitucionais”, afirma o advogado Marco Innocenti, presidente da Comissão Especial de Defesa dos Credores Públicos – Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Precatórios são dívidas do Poder Público reconhecidas judicialmente. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), juntos, Estados e municípios deviam no primeiro semestre de 2012 cerca de R$ 94 bilhões.
Em abril, com a notícia de que Tribunais de Justiça (TJs) tinham suspendido o repasse dos pagamentos por causa do vácuo legislativo, o ministro Luiz Fux determinou que, até o julgamento do pedido de modulação, os precatórios continuem sendo pagos pela sistemática anterior. Ou seja, pelas regras previstas na Emenda nº 62. Embora sem data marcada, Fux afirmou que levará a discussão a julgamento “o quanto antes”.
Mas o entendimento já começou a ser aplicado pelos próprios ministros do Supremo. Ao julgar um caso de um credor do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), a ministra Cármen Lúcia reafirmou a posição da Corte de que a Taxa Referencial (TR) – que remunera a poupança – não serve para recompor a perda inflacionária da moeda. A Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o INSS, recorreu da decisão.
No dia 27 de maio, o ministro Castro Meira, do STJ, proferiu decisão semelhante, favorável a uma credora da União que teve a indenização reconhecida pela Justiça por violação de direitos fundamentais. E foi além: determinou a aplicação do IPCA para atualizar o valor dos precatórios. A União recorreu da decisão alegando que a decisão do Supremo ainda não havia sido publicada. No dia 26 de junho, a 1ª Seção do STJ rejeitou o recurso.
Segundo o advogado da credora, Marcelo Pires Torreão, sócio do escritório Torreão Machado & Linhares Dias Advocacia e Consultoria, a diferença entre os índices de correção – IPCA e TR – seria, nesse caso, de R$ 167 mil. Com a decisão do STJ, fica reconhecido o direito ao pagamento de R$ 971 mil. Segundo Torreão, a dívida da União aumentou 43% só com juros e correção monetária de 2008, quando foi condenada a pagar a indenização, até maio de 2013, quando o precatório foi expedido. “A União recorreu nove vezes nesse caso. Se não tivesse entrado com tantos recursos, o valor final a pagar seria bastante inferior”, diz o advogado.
Três dias após o julgamento do Supremo sobre o regime especial de precatórios, a ministra Cármen Lúcia proibiu também a Fazenda Pública de abater dívidas tributárias de um credor. O caso era de uma indústria de Santa Catarina. A empresa corria o risco de ter um precatório de R$ 60 mil represado pela União para quitação parcial de um débito fiscal de R$ 307 mil. “O contribuinte já está pagando a dívida pelo Refis da Crise”, afirma o advogado da empresa, Reni Donatti, sócio do Chiela e Donatti Consultores e Advogados.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não recorreu da decisão e o caso transitou em julgado em abril. “A modulação de efeitos da decisão do STF, caso ocorra, também será respeitada pela PGFN”, diz o órgão em nota.
No STJ, o ministro Herman Benjamin autorizou o sequestro de bens do Estado de São Paulo para pagamento de um precatório de um ex-funcionário público, reconhecido definitivamente pela Justiça em 2007. O parágrafo 13 do artigo 97 da Emenda Constitucional nº 62 protegia de sequestro de valores os entes que quitassem os débitos pelo regime especial. “Em casos semelhantes, vinha deferindo as liminares pleiteadas para sustar o sequestro dos valores”, afirma Benjamin na decisão, acrescentando que, com a decisão do Supremo, não haveria mais justificativa para a proteção.
Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo diz que discutirá o sequestro no julgamento de mérito do caso. “Além disso, até que haja a conclusão do julgamento [do STF] e publicação de sua ata, segundo nosso entendimento, permanece plenamente eficaz a vedação de sequestro prevista na emenda”, acrescenta o órgão na nota.