Carolina Mazzi
Do UOL, no Rio
A história do menino Alex, 8, morto pelo pai depois de seguidas sessões de espancamento no Rio de Janeiro, no dia 17 de fevereiro, chocou o país e traz à tona uma triste realidade de abusos contra menores. De acordo com dados da SDH (Secretaria de Direitos Humanos), cerca de 70% dos casos de violência contra crianças e adolescentes no Brasil acontece em residências, seja da vítima ou do agressor. E, assim como Alex, pais e mães são os principais acusados: 170 mil denúncias –cerca de 53% do total– foram contra eles apenas em 2013.
No Rio de Janeiro, o número total de denúncias de violência contra crianças tem crescido. A Secretaria de Direitos Humanos tipifica as denúncias de três formas: violência física, psicológia e sexual. No Rio de Janeiro, o número total destas denúncias cresceu, entre 2011 e 2013, cerca de 70% –de 9.120 registros para 15.635.
As agressões de violência física sofridas por Alex também apresentam números assustadores. Apenas para maus tratos, em 2011, foram registradas 420 denúncias. Em 2013, este número chegou a 6.503. No caso de lesão corporal o crescimento também foi alarmante: de 236 casos em 2011 para 4.114 em 2013.
Uma possível explicação para o comportamento nocivo dos pais vem da própria cultura, segundo a psicóloga Lígia Caravieri, coordenadora do Crami (Centro Regional de Atenção aos Maus-tratos na Infância). Para ela, a sociedade brasileira é conivente com uma educação baseada na violência.
“A sociedade acredita que não deve se meter na forma como as pessoas educam seus filhos, e que a violência é uma punição aceitável. As pessoas foram criadas desta forma e acabam reproduzindo isso. Quando estes casos chocantes aparecem, a comunidade fica indignada, mas muitas vezes não denuncia ao observar o comportamento em outras famílias próximas”, afirma.
Um dos motivos que faziam com que Alex André Moraes Soeiro, 34, pai do menino Alex, agisse com violência era o fato de o filho gostar de dança do ventre e de lavar louça, atividades que, segundo ele, não eram “de homem”. Denúncias de discriminação contra crianças e adolescentes também tem aumentado consideravelmente. Apenas no Rio de Janeiro, entre 2011 e 2013, o aumento neste tipo de crime ficou em 500%, de 28 para 140 denúncias.
No laudo do IML (Instituto Médico Legal), escoriações e edemas por todo o corpo mostram que o menino morreu após meses de espancamento. O crime de tortura contra crianças também cresceu nos últimos anos, embora o número de denúncias seja baixo. Em 2013, foram reportadas 13 denúncias apenas no Rio de Janeiro, contra sete em 2012 e uma em 2011.
Ainda sim, óbitos não são comuns, ressalta Lígia. “Na maior parte das vezes, os pais acham que estão fazendo o melhor para os seus filhos, pois é tudo que conhecem e aprenderam a fazer”.
Segundo a especialista, solucionar o problema da violência contra crianças e adolescentes é possível, mas falta conscientização de agentes fundamentais, como os professores e escolas, por exemplo.
“Estes profissionais têm um papel muito importante, pois eles podem observar melhor o comportamento das crianças, por estarem em um ambiente onde elas se sentem mais seguras, livres e não estão ameaçadas. Porém, os professores e a escola precisam ser instruídos em observar comportamentos suspeitos, atitudes que não condizem com a idade e outros fatores”, afirma.
Lígia conta que, no Crami, onde trabalha com famílias acusadas de violência, não há casos de reincidência nos crimes. “Mas só funcionou com as famílias que completaram o programa. Muitas são encaminhadas para órgãos de apoio, mas não continuam o tratamento. E, nisso, é preciso haver um compromisso de todos os agentes públicos, do judiciário e o Conselho Tutelar, para que estas famílias sejam conduzidas a programas que possam recuperá-las”.
Mesmo quando há caso de óbito, como de Alex, é preciso acompanhamento da família. “Criminalizar apenas não adianta. Muitas vezes a vítima fatal tem irmãos, que também convivem neste meio violento. Os pais e as crianças precisam de orientação e instrução para aprender a educar seus filhos com alternativas diferentes a violência”, afirma.
Entenda o caso
O menino Alex foi morto depois de meses de seguidas sessões de maus tratos e espancamento pelo pai, Alex André, no último dia 17 de março. O pai teve prisão temporária decretada no dia 19 e está no Complexo de Gericinó, em Bangu, desde então.
Após duas horas de espancamento, Alex foi levado para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Vila Kennedy, já morto e com hematomas por todo o corpo. A equipe médica desconfiou de violência doméstica e enviou o caso para o Conselho Tutelar de Bangu.
No IML (Instituto Médico Legal) Afrânio Peixoto, os peritos constataram que ele morreu por hemorragia interna. De tanto apanhar teve o fígado perfurado. Ele também tinha sinais de desnutrição.
Em depoimento, o pai de Alex contou que o menino não chorava enquanto apanhava e, por isso, batia mais, por achar que a lição não estava sendo suficiente. Os vizinhos, que o apelidaram de “monstro de Bangu”, disseram nunca ter ouvido nada. O conselheiro tutelar Rodrigo Botelho pedirá que a polícia investigue se o menino vivia em cárcere privado.
Em maio de 2013, quando foi morar com o pai no Rio, Alex foi matriculado na escola municipal Coronel José Gomes Moreira, na Vila Kennedy.
O menino tinha bom desempenho, sempre com notas acima de 80 nos três bimestres em que ficou na unidade. No início deste ano, Soeiro foi até a escola pedir a documentação escolar do filho que, segundo ele, voltaria para Mossoró.