Centro de Memória Sindical e história dos trabalhadores brasileiros

São Paulo, 25 de setembro de 2014


Conteúdo da palestra de Carolina Maria Ruy, jornalista e coordenadora de projetos do Centro de Memória Sindical, em 25 de setembro de 2014, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo

“Bom dia a todos. Primeiro eu queria agradecer o Campos e o Miguel Torres pelo convite.

Bem, como eu não sei se vocês conhecem o Centro de Memória Sindical, vou falar um pouco sobre como funciona, o que faz e também sobre a nossa história.

O Centro de Memória Sindical, que fica ali na Rua do Carmo, antigo prédio do Sindicato dos Metalúrgicos de SP e atual Sindicato Nacional dos Aposentados, é um arquivo histórico que propicia, em torno dele, ações que se ligam ao tema da memória sindical como: preservação da memória oral – realização de entrevistas e coleta de depoimentos de histórias de vida (temos arquivado vários depoimentos de sindicalistas importantes, muitos que já morreram, como Gregório Bezerra, Affonso Delelis, Joaquim dos Santos Andrade, entre outros), prestação de serviço de resgate histórico, produção de livros, debates etc.

Nós não somos vinculados a nenhum sindicato ou central. Embora estejamos sediados neste espaço concedido pelo João Inocentini, no 3º andar do Sindicato.

O Centro de Memória foi criado em 1980, no rescaldo das greves que começaram no ABC paulista em 1978. Quando começou todo aquele movimento sindical em torno da reposição salarial, do combate ao arrocho salarial, e também com o viés político de combate à ditadura militar, um grupo de jornalistas tiveram a ideia de gravar depoimentos daqueles sindicalistas para produzir um livrinho chamado “A greve na voz dos trabalhadores”. Entre 1978 e 1980 eles saíram coletando depoimentos de quem se dispusessem a contar sua história. Lembrando que era ditadura militar e muitos tinham medo de expor ideias comprometedoras. Bem, depois do livro pronto, eles resolveram arquivar esse material todo, as fitas, as transcrições, tudo e continuar fazendo depoimentos.

A partir disso se formou o chamado “Movimento pela fundação do Centro de Memória Sindical”, do qual fazia a parte a Carmen Evangelho, que colabora até hoje com o Centro. A ideia era que quando eles tivessem 10 sindicatos apoiando, e pelo menos 200 horas de depoimentos gravados, eles iam formalizar a fundação do Centro de Memória. O que aconteceu em 14 de junho de 1980, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, na Rua do Carmo, com apoio do presidente Joaquinzão.

O Hugo Perez, que era do Sindicato dos Eletricitários e presidente do Dieese, foi o primeiro presidente. Depois tiveram as gestões do Antonio Toschi, do Cláudio Magrão, que foram presidentes do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, e do Milton Cavalo, que é o presidente atual e é também tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco.

A ideia era que o CMS funcionasse como uma instituição intersindical, que presta serviços para os Sindicatos, como o Dieese e o Diesat (criado no mesmo ano) e que, como o Dieese e o Diesat, fosse mantida pelos sindicatos.

O CMS funcionou – como um arquivo e também fazendo publicações, cursos de formação, etc até o inicio da década de 1990. Depois disso o CMS não chegou a fechar, mas ficou um tempo sem receber nenhum investimento e manutenção. Até que, em 2010, as pessoas que se preocupam em preservar a história, como o Milton Cavalo, o Juruna, o Campos, o Miguel Torres, o Paulinho, o Ramalho da Construção, que também colabora com o Centro, o João Inocentini, e diversos outros, investiram na recuperação do Centro. Fizemos, então, a mudança, e temos feito todo um trabalho de recuperação do arquivo e promoção de atividades desde então.

Hoje um dos nossos principais desafios do Centro de Memória Sindical, além de se manter funcionando, é incentivar os sindicatos e os sindicalistas a organizarem seus arquivos e trabalharem no resgate de suas histórias. Sabemos que há muita documentação espalhada pelos sindicatos, em posse de diretores que gostam do tema e guardam documentos, nas imprensas sindicais, nas secretarias, etc. É muito positivo que se guarde essa documentação. Mas o ideal é que ela esteja organizada em uma instituição que pode dar o devido tratamento e disponibilizá-la para consulta da sociedade.

O movimento sindical no Brasil é muito pouco estudado e por isso é, às vezes, até mal interpretado pelo senso comum. E o CMS pode contribuir para mudar essa situação, organizando e divulgando materiais e registros sobre o sindicalismo.

Sobre o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo

Temos uma grande documentação e depoimentos sobre o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. E temos uma grande preocupação em levantar e preservar sua história.

Vou aproveitar essa oportunidade então, de estar aqui no Sindicato, para pontuar algumas passagens e lembrar alguns dos líderes que passaram por aqui.

Em primeiro lugar:

Lembrar que depois de fundado, em 27 de dezembro de 1932 (primeiro presidente foi Vicente Guilherme), o Sindicato era dominado pelos ministerialistas – atrelados ao ministério do trabalho. Naquele contexto isso era comum, pois muitos sindicatos foram fundados após a criação do Ministério do Trabalho, em 1930, e no ensejo das leis trabalhistas que começaram a ser elaboradas pelo governo de Getúlio Vargas (consolidadas na CLT em 1943).  Bem, após cinco anos de sua fundação, o Sindicato vivenciou os oito anos de repressão política do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937). E retomou suas atividades normais com o fim da ditadura, em 1945 (O sindicalismo ainda sofreria reveses. Em 1946, após o fim do Estado Novo, o então presidente da República Eurico Gaspar Dutra promulgou o decreto 9070 que regulamentou o direito de greve, suspendeu as eleições sindicais, prorrogou por um ano os mandatos das diretorias e tornou obrigatório o famigerado “atestado de ideologia” para que os trabalhadores pudessem concorrer às eleições sindicais Em 1950, Getúlio, eleito, aboliu a obrigatoriedade do atestado.).

Mas só em janeiro em 1951, um grupo mais politizado, de esquerda, ligado ao partido comunista (criado em 1922), assumiu a direção do Sindicato. Naquela data a Chapa encabeçada por Joaquim Ferreira, composta por militantes de esquerda, assumiu a diretoria do Sindicato, rompendo com a conservadora “velha guarda ministerialista”. A ascensão daquele grupo de socialistas, comunistas, foi expressiva e duradoura, sobretudo sob direção de Remo Forli, que venceu as eleições de 1953, e foi reeleito várias vezes até 1962.

Tais situações sinalizavam mudanças nas organizações de trabalhadores, nas quais os chamados ministerialistas, que tiveram grande peso no movimento sindical até 1953, sentiram o avanço da oposição ligada, sobretudo ao Partido Comunista.

A ruptura da ambiguidade que pairava sobre o sindicalismo brasileiro (ministerialistas versus comunistas) intensificou-se com a greve geral conhecida como Greve dos 300 mil, em março de 1953, cuja direção teve a hegemonia do Partido Comunista (contando também com filiados do PSB, PTB, PSP e PSD).

A greve começou no setor têxtil e em 26 de março, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo aderiu ao movimento. Gradativamente, carpinteiros, gráficos e vidreiros também anunciaram sua adesão e o movimento ganhou contornos de greve geral.

Reivindicando aumentos salariais e medidas para reduzir o custo de vida que, entre 1943 a 1951, havia subido cerca de 100% em São Paulo a Greve dos 300 mil paralisou a maior parte dos trabalhadores paulistas durante 29 dias, afetando fortemente o ritmo da capital. 

O movimento resultou na vitória dos grevistas e, além de viabilizar o surgimento de lideranças sindicais como os metalúrgicos Fortunato Martinelli, Remo Forli, Conrado Del Papa, Henos Amorina e Eugenio Chemp.

Em segundo lugar:

Nas eleições sindicais de 1963, empossada em outubro daquele ano, foi eleita a Chapa da situação, tendo o comunista Affonso Delellis como presidente e José Araújo Placido como secretário geral. Entretanto, em decorrência da chamada “Rebelião dos Sargentos” Delellis e Plácido, foram presos em dezembro.

Naquele ano João Goulart era o presidente da República, e o Sindicato o apoiava, participava do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e apoiava as reformas de base defendida por Jango. Então, acho importante deixar claro que a Rebelião dos Sargentos, e a participação do Delellis e do Plácido na Rebelião, teve uma conotação política, já que os insurgentes também apoiavam Jango e por isso foram considerados inelegíveis para o Poder Legislativo pelo STF.

Ao serem libertados em janeiro de 1964, eles não reassumiram a direção do Sindicato e passaram para a ação clandestina. Em depoimento dado ao Centro de Memória Sindical, na década de 1980, Delellis afirmou que o golpe militar começou, no Sindicato, com a prisão dele e de Plácido, em dezembro de 1963.

Isso demonstra que mesmo antes do golpe de 31 de março de 1964 já havia uma forte perseguição e repressão ao movimento social.

E em terceiro lugar:

Em seis de abril de 1964, cinco dias depois do golpe militar, tomou posse o 1º interventor do Sindicato, Carlos Ferreira dos Santos. Sua gestão durou pouco, pois, depois de muita pressão, em janeiro de 1965, foram regulamentadas eleições sindicais, com diversas ressalvas por parte do governo.

Era consenso entre os metalúrgicos de São Paulo que, para atuar no Sindicato, a melhor saída naquele momento seria compor com o chamado “grupo do Joaquim”, que não era muito radical e, por isso, dava uma margem de atuação dentro daquele contexto repressivo. Desta forma, o metalúrgico Joaquim dos Santos Andrade, Joaquinzão, foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, e tomou posse em 31 de agosto de 1965. Esta eleição iniciou uma nova etapa na vida do Sindicato, marcada pela tentativa de viabilizar a ação sindical dentro dos padrões impostos pela ditadura (Carmen Evangelho, 1992. p143).

Joaquinzão dirigiu o Sindicato durante toda a ditadura militar, entre 1965 e 1987. Ele faleceu em fevereiro de 1997 por insuficiência respiratória.

Entre as tantas passagens importantes deste período do Joaquim, destaco três:

A primeira, em 1977, quando a denúncia da manipulação dos índices oficiais da inflação de 1973, pelo Dieese, retomou de vez a ação sindical. A notícia de que o salário dos trabalhadores estava sendo continuamente desvalorizado desencadeou uma onda de greves, que começaram no ABC paulista a partir de 1978, e levou o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo a optar por abrir um processo na Justiça Federal, reivindicando as perdas salariais. Naquele momento havia duas posições dominantes: abrir o processo ou ir para o enfrentamento político, sem abrir o processo.

E o Sindicato, dirigido pelo Joaquim, optou por orientar seus trabalhadores a abrirem os processos, já que o mais importante para eles era reaver o dinheiro perdido. Ele demonstrou com isso, coragem em enfrentar os militares e compromisso com a classe trabalhadora.

A segunda, é importante enfatizar que, em 1984, o Sindicato participou ativamente da campanha pelas Diretas Já!, e o Joaquim foi uma das personalidades do comando daquele movimento e da elaboração da Constituinte de 1988.

E a terceira, em novembro de 1985, durante a campanha salarial unificada, os Sindicatos dos Metalúrgicos de São Paulo, de Guarulhos e o de Osasco, que celebravam a mesma convenção coletiva, passaram a negociar com cada empresa a redução da jornada de trabalho, sem redução de salário. Nesta ação conjunta os metalúrgicos não só conseguiram a redução de 48 para 44 horas semanais, conquista sacramentada na convenção coletiva da categoria a partir de 1985, como também serviram de exemplo para a extensão deste benefício para todos os trabalhadores brasileiros, contemplado na Constituição de 1988.

Depois disso, já na democracia, o Sindicato projetou líderes como Luiz Antonio de Medeiros (fundador da Força Sindical), Paulo Pereira da Silva, Miguel Torres, João Carlos Gonçalves, Maria Sallas Dib, que é uma sindicalista história, foi também dos têxteis, Nair Goulart, Roberto Sargento, Eufrozino Pereira, Geraldino dos Santos Silva, João Batista Inocentini, Elza de Fátima Costa Pereira, e vários outros que tem um pouco uma raiz no trabalhismo (que começou propriamente em 1945, com a fundação do Partido Trabalhista Brasileiro sob a inspiração de Getúlio Vargas e depois foi teve Leonel Brizola como o principal expoente).

Passaram por aqui também o sindicalista Vital Nolasco, Santo Dias, que morreu em 1979, durante um enfrentamento com a polícia do regime militar, Manoel Fiel Filho, que morreu também, em 1976, torturado nos porões do DOI-CODI.

Em 2014, sob a presidência de Miguel Eduardo Torres, o Sindicato continua a luta pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem redução salarial, assim como mantém firme as lutas pelo trabalho decente, pela correção da tabela do Imposto de Renda, por um reajuste digno para os aposentados, pelo fim do fator previdenciário e pela valorização do salário mínimo. 

Eu queria finalizar dizendo que, resgatar a história dos trabalhadores é fundamental para ajudar a formar a identidade dos trabalhadores como um grupo organizado e atuante na sociedade, que é capaz, com a sua força, de mudar os rumos da história, como já aconteceu em 1968, em 1978, em 1985, nas marchas com o salário mínimo, etc.

A história desse Sindicato é particularmente importante por causa da sua representatividade e pelo fato da sua trajetória estar tão entrelaçada às transformações e à história social do Brasil. O Sindicato é exemplo para diversas outras organizações, que vieram depois, justamente porque tem a experiência de ter passado por duas ditaduras, enfrentado longas épocas de recessão econômica, ter participado da conquista da redemocratização, da retomada do crescimento. Enfim, o Sindicato é resultado desses 82 anos de história”.