Por um PAC 3, do trabalhador (artigo Folha S.Paulo)

TENDÊNCIAS/DEBATES

MIGUEL TORRES
 
Grandes empresas investem seus recursos na qualificação de profissionais para suas vagas, mas as pequenas e médias não têm como fazê-lo


O governo está apostando todas as suas fichas na solidez da economia e nos Programas de Aceleração do Crescimento (PACs), mas as atuais condições de trabalho e a falta de profissionais qualificados para sustentar o crescimento e a conclusão das obras podem transformar nosso futuro num pesadelo.
Por isso, defendo um PAC 3 -o PAC da qualificação e da valorização do trabalhador, de forma a garantir os PACs 1 e 2. E o que seria o PAC 3? Um programa para a qualificação profissional com investimentos em programas de treinamento e para a criação de condições efetivas para mais segurança no trabalho (menos horas extras), mais tempo para consumir cultura, educação (redução da jornada semanal para 40 horas) e se relacionar de forma democrática com o empregador, buscando mais qualidade e produtividade.

Qual é a situação hoje? Jornadas extenuantes, com excesso de horas extras, acidentes de trabalho, pouco tempo para a cultura e educação, relações conflituosas com empregadores e desemprego por falta de qualificação (6,5 milhões de desempregados). Uma empresa como a ThyssenKrupp, que acabou de inaugurar uma siderúrgica no Rio, mandou 210 empregados estudarem na Alemanha, treinou por sua própria conta outros 1.700 e “importou” 600 chineses para a obra.

O estaleiro Atlântico Sul (PE) trouxe de volta do Japão 200 soldadores brasileiros. Isso acontece porque Senai, Senac e Senar, órgãos do “Sistema S”, treinam apenas 20% de sua mão de obra, com recursos milionários arrecadados das folhas de pagamento. E cobram para fazer isso, numa atitude a meu ver irregular, que o MEC tentou, mas não conseguiu mudar.

As grandes empresas investem recursos próprios na qualificação de profissionais para suas vagas, mas as pequenas e médias não têm esses recursos, embora sejam quem mais oferece empregos.

De pouco vale os ministérios do Trabalho, da Educação e da Ciência e Tecnologia afirmarem que também as empresas têm de contribuir. Têm, mas poucas podem fazer isso por terem acesso ao crédito barato do BNDES. As menores, não.

Faltam soldadores, operadores de máquinas, técnicos de manutenção, pedreiros, azulejistas, padeiros, caixas, garçons etc. Embora perto de 6 milhões de trabalhadores já recebam, anualmente, algum tipo de qualificação, será preciso formar mais 1,3 milhão neste ano, quando mais 1,7 milhão de pessoas entrarão no mercado de trabalho.

Os programas de qualificação do governo FHC, que chegaram a treinar 2 milhões de trabalhadores por ano, foram interrompidos e muito pouco foi colocado no lugar. O programa similar, tocado pelo Ministério do Trabalho, não treina 300 mil pessoas por ano!

O ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, tem pregado no deserto, pleiteando mais recursos para a qualificação, mas a equipe econômica cortou o orçamento. No último ano de seu governo, Lula precisa ouvir três ministérios (Trabalho, Educação, Ciência e Tecnologia), aprovar créditos suplementares e iniciar programa de qualificação significativo.

Basta ir ao Sine (Site Nacional de Empregos) ou ao Centro de Solidariedade da Força Sindical para ver a tragédia: empresas oferecendo vagas, trabalhadores se candidatando, mas não as preenchendo por falta de qualificação. O governo precisa criar um PAC 3 e apoiar, entre outras coisas, a redução da jornada semanal para 40 horas, sem horas extras. Com mais tempo livre, o trabalhador poderá melhorar sua qualidade de vida consumindo cultura ou requalificando-se profissionalmente.

MIGUEL TORRES, 51, é presidente em exercício da Força Sindical e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi.