Proibição da lista do trabalho escravo pelo STF põe sob suspeita universo de empregadores e pacto do país com o fim da violação
Faz um mês e meio, o Brasil mergulhou nas trevas no que diz respeito à mais grave das violações trabalhistas. O ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu a publicação do cadastro de empregadores que submetem funcionários a condições análogas à escravidão. A chamada lista suja do trabalho escravo, havia uma década, tinha duas edições anuais (junho e dezembro). Era reconhecida, inclusive pela Organização Internacional do Trabalho, como ferramenta importante para coibir as más práticas. Na virada de 2015, não apenas faltou a atualização, como versões anteriores do documento foram retiradas do site do Ministério do Trabalho. A liminar encobriu seis centenas de infratores. Indiretamente, pôs sob suspeita o universo de empregadores da agropecuária e da construção, campeões de autuações. E lançou dúvidas sobre o compromisso do Brasil de eliminar a mazela socioeconômica.
O pedido de suspensão da lista chegou ao Supremo às vésperas do Natal, por iniciativa da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). No 31 de dezembro, Lewandowski, plantonista do recesso, concedeu a liminar. Assim, pela primeira vez desde 2004, o cadastro dos autuados por condições degradantes de trabalho, jornada excessiva e servidão por dívida, entre outras irregularidades, não se tornou público. O nome do empregador (pessoa física ou jurídica) só vai para a lista após decisão administrativa final do ministério.
Não por acaso, o setor representado pela Abrainc foi o que registrou, em 2014, o maior número de resgates por condições análogas à escravidão. Nas estatísticas preliminares, a Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo livrou 437 empregados da construção de situações degradantes. A agricultura teve 344 resgates e a pecuária, 228. Ao todo, foram 1.590 libertações no país.
Nos últimos anos, a multiplicação de obras no país pôs a atividade no radar das ações contra o trabalho escravo. Grandes canteiros de estádios da Copa, empreendimentos do PAC e projetos residenciais chamaram atenção dos fiscais. Em 2013, pela primeira vez, os resgates em áreas urbanas foram mais numerosos que no campo. Em 179 operações, 2.063 trabalhadores foram libertados, mais da metade (1.068) nas cidades. Só na construção civil, foram 849.
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) briga há uma década na Justiça contra a lista do trabalho escravo. Sem sucesso. Em 2012, o STF extinguiu a ação de inconstitucionalidade movida contra a Portaria 540/2004, que criara o cadastro. A entidade foi derrotada, porque a lista passou a ser regulada pela Portaria Interministerial 2/2011. No ano passado, a CNA voltou ao Supremo contra o novo texto. O assunto está pendente e tem a ministra Carmen Lúcia como relatora.
O Ministério Público Federal recorreu da liminar do presidente do STF, em fins de janeiro. Até então, apesar de declarações dos ministros do Trabalho, Manoel Dias, e dos Direitos Humanos, Ideli Salvatti, favoráveis ao cadastro, a Advocacia-Geral da União não apresentara agravo.
Enquanto isso, o país continua sem conhecer o nome dos empregadores que violaram as regras do trabalho decente. Tampouco sabe dos que, regulares nos dois últimos anos, saíram do cadastro. Bancos públicos e empresas comprometidas com as boas práticas estariam adiando contratos de financiamento e encomendas até que a real situação de clientes e fornecedores venha à tona. Para proteger uns poucos, muitos sofrem.