Usar ideias e sugestões dos próprios funcionários para tornar os processos mais eficientes, aumentar a produção e cortar custos não é uma estratégia nova. Foi assim, por exemplo, que os japoneses reergueram sua indústria após a Segunda Guerra, ao popularizar o conceito de manufatura enxuta (“lean manufacturing”) e o método de melhoria contínua conhecido como Kaizen – ambos tendo a Toyota como sua maior referência.
Essa preocupação ganha força em cenários de crise como o atual. Com perspectivas negativas em relação ao mercado, incertezas na política e turbulências na economia, as companhias redobram esforços para evitar desperdícios e se preparar para atravessar o ano sem maiores traumas.
Na Bematech, que atua no setor de TI, essas mesmas práticas serviram de base para que o gerente de manufatura Christian Luciano da Silva desenvolvesse um projeto em 2012 para melhorar a produtividade da companhia. A intenção era treinar uma turma de 20 pessoas, com foco nos operadores de fábrica, mas 90 interessados se inscreveram. “Iniciamos com um plano de capacitação e dividimos os participantes em equipes. Cada uma delas cria um plano de melhoria, que passa por uma comissão avaliadora”, explica.
Com o tempo, supervisores, coordenadores e gerentes também começaram a ser treinados, assim como fornecedores e clientes. Segundo Silva, em 2013 a Bematech passou de 179 máquinas produzidas por funcionário pra 279, e esse índice chegou a 380 no ano passado. “A participação e o envolvimento dos colaboradores foi surpreendente. Essas ações trazem mais segurança, motivação e são fundamentais para manter a empresa crescendo, tornando a operação mais estável e sustentável”, afirma.
Outras empresas que já possuem programas estruturados para coletar, avaliar e implementar propostas vindas diretamente dos trabalhadores estão incentivando ainda mais essa interação. Um exemplo é a multinacional alemã Stihl, que fabrica ferramentas motorizadas e possui o programa IdeiaPlus.
Nele, todos os dois mil funcionários da sede em São Leopoldo (RS) podem enviar propostas de melhoria, que são classificadas em três categorias: as que têm um impacto econômico mensurável podem render uma premiação de até 25% do retorno previsto para um ano; as que possuem um retorno financeiro que não pode ser medido, como aumento de segurança e melhorias de ergonomia, podem valer de R$ 40 a R$ 1.600; e as ideias mais simples, sem impacto econômico, são recompensadas com R$ 20.
De acordo com Maykel Royer, supervisor de melhoria contínua da Stihl no Brasil, no ano passado a companhia recebeu 4.746 sugestões, o que representa uma média de 2,32 ideias por funcionário. Em quase três anos de existência, o programa economizou cerca de R$ 5 milhões para a empresa. “Quanto menor for a relação da sugestão do profissional com sua rotina de trabalho, maior é a premiação. Isso incentiva o funcionário a se interessar e a entender mais sobre os outros processos da empresa”, diz.
Royer destaca que além de gerar economia e benefícios, o colaborador é premiado e ganha visibilidade perante outros setores da empresa. “Para colocar essas ideias ainda mais em evidência, eventualmente realizamos uma seleção para que os próprios autores as apresentem ao presidente.”
Para a professora Elza Veloso, coordenadora executiva do Programa de Estudos em Gestão de Pessoas da Fundação Instituto de Administração (Progep – FIA), o grande desafio das organizações contemporâneas é o de transformar momentos difíceis em oportunidades de melhorias gerenciais. Desse modo, as empresas podem aproveitar a necessidade de cortar gastos para aproximar o alto escalão dos outros níveis hierárquicos. “É preciso contar com o patrocínio da alta administração. Caso contrário, a iniciativa perde credibilidade.”
O principal cuidado, segundo ela, está em fazer uma comunicação clara a respeito dos critérios de julgamento e de seleção, pois nem sempre as sugestões são viáveis. “As empresas que conseguem estruturar um programa desse tipo têm uma excelente oportunidade de conseguir um quadro mais participativo. As pessoas sentem que influenciam as decisões e buscam formas de viabilizar mudanças.”
Na 4BIO, empresa que comercializa medicamentos especiais e de alto custo, foi o próprio presidente, André Kina, que definiu detalhes da política de coleta, análise e recompensa de sugestões de seus colaboradores. De acordo com ele, cada área da companhia tem como meta fazer 40 melhorias por ano, devidamente registradas, discutidas e classificadas em diferentes níveis de acordo com o impacto na rentabilidade do negócio. Esse volume é dividido entre os integrantes das equipes e pode render uma bonificação de até seis salários extras. “No início foi difícil, pois não havia uma cultura interna de melhoria contínua. Hoje, isso funciona de forma metódica e objetiva”, ressalta. A 4BIO conta com 105 funcionários e faturou R$ 124 milhões no ano passado, 34% a mais que em 2013.
Para Kina, o importante é que todos sabem que, se tiverem boas ideias, vão ser recompensados tanto financeiramente quanto com oportunidades de desenvolvimento de carreira. “Especialmente em tempos de crise, isso traz vantagem competitiva para a companhia e mais motivação para o funcionário”. Em 2014, foram aproximadamente 300 iniciativas de inovação, melhoria de processos e redução de custos. Somente a compra direta de medicamentos do fabricante – e não mais por intermediários – resultou em uma economia de R$ 300 mil ao ano.
Na Condor, que fabrica produtos de limpeza, higiene e beleza com 1.500 funcionários, são três setores envolvidos no processo: existem os Grupos de Melhorias Condor (GMC), conduzidos pelo gestor de qualidade Ivo Carlos Stal; o banco de ideias, desenvolvido pelo RH; e processos de inovação que ficam sob o guarda-chuva do marketing.
No ano passado, foram formados voluntariamente nove GMCs, cada um com seis a nove integrantes, que recebem incentivos e capacitação adequada. De acordo com Stal, as reuniões para apresentar e discutir ideias e projetos são mensais. A premiação, dependendo da pontuação alcançada internamente, pode ser uma viagem ou um crédito para ser trocado por eletrônicos e outros produtos.
Em 2014 foram registradas 119 sugestões não mensuráveis economicamente e 47 mensuráveis, que representam uma economia estimada em pouco mais de R$ 575 mil – um salto expressivo em relação aos quase R$ 150 mil de 2013. “Em tempos de incerteza na economia, as soluções que vêm dos funcionários chegam com ainda mais força. Eles se sentem parte da organização, querem ajudar e sabem que, ao cortar pequenos gastos, a soma lá na frente vai ser significativa.”
Além disso, a Condor tem computadores espelhados pela fábrica que são usados para que qualquer colaborador possa, individualmente, registrar e acompanhar o encaminhamento de suas ideias e sugestões. Na opinião de Beatriz Pacheco, sócia-fundadora da Plongê, consultoria na área de estratégia de pessoas, esse cuidado é fundamental para o sucesso da ação.
De acordo com ela, o funcionário sabe onde estão as oportunidades de melhoria e ganhos de eficiência no dia a dia. Portanto, ao ser convidado a buscar soluções para os desafios enfrentados pela empresa, sente-se mais valorizado, responsável e comprometido. “Esse tipo de programa reconhece o protagonismo e o poder de contribuição do funcionário, o que é extremamente valioso.”
Para Beatriz, essa participação deve ser vista como um valor da organização e não como uma iniciativa pontual em um momento de crise. “A estratégia é pouco usada pelas empresas, uma vez que ainda temos uma cultura muito calcada na hierarquia e na figura do líder”, diz. Silva, da Bematech, ressalta que esse trabalho deve ser de longo prazo. “O terreno dentro de casa é muito fértil para novas ideias. É preciso dar espaço e capacitar as pessoas para isso, sem subestimá-las”, diz.