Em sua primeira entrevista a jornalistas desde que assumiu, em janeiro, a presidência da Volkswagen no Brasil, o executivo sul-africano David Powels classificou ontem como crítica a situação vivida pela indústria automobilística nacional, disse não vislumbrar grande melhora das vendas nos próximos anos e projetou uma recuperação bastante lenta do mercado.
Com essa perspectiva, ele disse que a montadora terá de desativar o terceiro turno de produção em seu parque industrial no ABC paulista, onde monta os modelos Gol, Saveiro e, em breve, o sedã Jetta.
Apesar disso, durante cerimônia com a participação do governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), Powels reafirmou o compromisso da montadora com o país, ao anunciar investimento adicional de R$ 460 milhões na fábrica de motores em São Carlos (SP). O aporte será executado até 2018, aumentando para perto de R$ 900 milhões o total investido na fábrica desde 2012.
O novo investimento contempla a instalação de uma linha de usinagem de virabrequins – peça do motor hoje importada, em sua maioria, da Alemanha -, a expansão da capacidade instalada e a produção no local de motores auxiliados por turbocompressores, que vão equipar os automóveis da marca, a começar pelo subcompacto Up!.
Na corrida das montadoras para alcançar as metas de eficiência energética cobradas pelo novo regime automotivo – lançado há dois anos e meio -, o Up! passa a ser o primeiro modelo popular turbinado em produção no Brasil.
Usada em pequena escala em modelos nacionais como Uno, Gol e Parati nas décadas de 1990 e 2000, a tecnologia permite às fabricantes reduzir o tamanho dos sistemas de propulsão, sem prejudicar o desempenho dos veículos. Com o auxílio do turbo, o motor de três cilindros do Up! 1.0 terá potência equivalente a um carro convencional de motorização 1.4 – em linha com o objetivo do regime automotivo, o Inovar-Auto, de que os automóveis produzidos no país percorram mais quilômetros com menor consumo de combustível.
Apesar do tom festivo do evento, Powels informou que, assim como já havia feito na fábrica de Taubaté, no interior de São Paulo, a Volkswagen terá de desativar o terceiro turno em São Bernardo do Campo. Segundo ele, a unidade não tem mais condições de seguir operando em três jornadas de trabalho diante da crise que levou o consumo de veículos no país ao pior patamar em oito anos.
O executivo não adiantou quando a montadora vai desativar o turno da noite, mas disse que a medida é necessária e que tem avaliado alternativas para administrar o excesso de mão de obra na fábrica paulista.
Conforme informou o sindicato dos metalúrgicos da região no início da semana, a Volkswagen estuda suspender os contratos de trabalho – mecanismo conhecido como “layoff” – de um grande grupo de operários a partir do próximo dia 6. O número de empregados atingidos não foi definido.
No primeiro trimestre, cerca de 800 empregados se desligaram da fábrica em um programa de demissões voluntárias. No início deste mês, a montadora afastou da produção, em “layoff”, 220 operários, após férias coletivas por dez dias no início de maio.
“A fábrica [em São Bernardo] ainda tem três turnos. Não há possibilidade de continuar assim”, afirmou Powels, que cobrou do governo celeridade no anúncio de um novo sistema de proteção ao emprego, que daria maior flexibilidade para as empresas reduzirem jornadas de trabalho em até 30%, com corte proporcional no custo com os salários pagos aos funcionários. “Esse é um assunto muito importante. Queremos que a nova lei seja rapidamente lançada”, disse o executivo, que construiu boa parte de sua carreira em departamentos financeiros do grupo alemão, inclusive durante sua primeira passagem pelo Brasil, entre 2002 e 2007.
Além da derrocada na demanda por automóveis, a fábrica do ABC foi afetada pela aposentadoria compulsória da Kombi e da versão mais barata do Gol – o G4 -, dada a falta de compatibilidade desses veículos com os dois equipamentos de segurança que se tornaram obrigatórios em janeiro do ano passado: o airbag e os freios ABS.
Em Taubaté, a Volkswagen já encerrou o terceiro turno em fevereiro. A participação de mercado da montadora, que estava em 17,5% no ano passado – e que há uma década girava ao redor de 25% -, caiu para 15,7% este ano até maio.
Para Powels, o país ainda vai precisar de, no mínimo, mais cinco anos para retomar a marca recorde de 3,6 milhões carros atingida em 2012, último ano de um ciclo ininterrupto de crescimento que durou quase uma década. “Se a economia crescer 2% ao ano, não vai ajudar muito nossa indústria. Queremos que o país cresça num ritmo de 4% a 6% ao ano”, afirmou.
Nas contas da direção da Volks, os brasileiros devem consumir neste ano algo ao redor de 2,7 milhões de carros de passeio e utilitários leves, cerca de 600 mil unidades a menos do que em 2014.
Powels estima que o setor esteja operando com um índice de ociosidade na faixa de 53% a 54%. Com a recuperação do setor, esse percentual poderá gradualmente cair para perto de 30%, mas, mesmo assim, as montadoras terão de gerenciar, por longo período, um excesso de capacidade próximo de 2 milhões de veículos por ano, disse o executivo. “A situação é crítica para todas as companhias dessa indústria e o cenário não vai melhorar muito nos próximos anos.”
O executivo disse ainda que a montadora tem “investigado” novos mercados para exportação dentro da América do Sul. Porém, lamentou que os ganhos de competitividade permitidos pela desvalorização cambial tenham sido corroídos pela escalada de custos com logística e insumos.
O repórter a convite da Volkswagen