‘Tripé do mal’ breca avanço da indústria de máquinas no Brasil

Depois de perder 25 mil empregos no primeiro semestre e sem previsão de novas encomendas para o ano, as indústrias de máquinas devem fechar ainda mais vagas até 2015 acabar, quando esse número pode dobrar.

A previsão é do engenheiro Carlos Pastoriza, presidente da Abimaq, associação que representa 1.535 empresas filiadas, que vai para a rua nesta quinta-feira (13), acompanhado de trabalhadores representados por três centrais sindicais, em uma manifestação em defesa da indústria e do emprego.

Além da crise econômica, ele diz que o setor de máquinas –e a indústria de transformação– sofre os efeitos de uma desindustrialização “silenciosa”. Sem resolver os juros “pornográficos”, o sistema tributário complexo, “com o viés de facilitar a importação”, e um patamar de câmbio adequado, Pastoriza acredita que o país não terá condições de sair da crise, resolver os problemas da “porta para fora da fábrica” para que a indústria possa resolver as questões “da porta para dentro”.

“As empresas vão enfrentar ao menos duas décadas, para modernizar o parque fabril, assistir o país refazer as reformas necessárias até conseguirem ser mais produtivas e competir em pé de igualdade”.

A seguir trechos da entrevista com Pastoriza.

DIFICULDADES DO SETOR

O setor de máquinas é que mais sofre na indústria de transformação porque máquina é investimento para quem compra. E a primeira coisa que empresário faz, em época de insegurança e crise, é cortar investimento. Este é o terceiro ano consecutivo de queda real de produção e faturamento. Somados, significa um tombo de 30%, um terço disso só neste ano. Até segmentos que vão relativamente bem, como o de maquinário agrícola, cancelaram pedidos e vão esperar. Na hora que se faz isso, a crise se materializa: sai da cabeça do empresário e vai para o mundo real. Afora a falta de investimento privado e público, que afeta o setor industrial, há oito anos convivemos com o chamado ‘tripé do mal’.

TRIPÉ DO MAL

Temos juros pornográficos, os mais altos do planeta, que afetam os custos e, portanto a competitividade, do produto. Nosso sistema tributário, além de complexo, é perverso, burro e irracional, porque penaliza mais quem fabrica no Brasil do quem importa de lá de fora. Ele não permite que uma fabricante de máquinas se credite de insumos indiretos, por exemplo. Uma peça que vai na máquina gera um crédito que posso compensar [na hora de pagar imposto], mas não posso debitar a cândida que uso para lavar o chão da fábrica. Juntos esses resíduos tributáveis que não compensáveis têm impacto de 7% no preço de uma máquina fabricada aqui. Só pelo fato de fabricar aqui pago mais caro que meu concorrente importado, só com esses resíduos. O terceiro ponto é o câmbio desequilibrado. O custo Brasil chegou a bater em 43% dois anos atrás. Mesmo com a alta do dólar, ainda é 25% mais caro produzir a máquina aqui, se compararmos mesma tecnologia e maquinário, com o que se faz na Alemanha ou nos EUA. O falecido ministro Mario Henrique Simonsen dizia: juro alto aleija uma empresa, mas o câmbio alto mata. A indústria está sendo aleijada e morta há pelo menos oito anos.

DESINDUSTRIALIZAÇÃO MASCARADA

O Brasil passa por uma desindustrialização silenciosa, mascarada. Não vemos o fechamento em massa das fábricas, mas as indústrias silenciosamente deixam de ser fabricantes para virarem montadoras e, em seguida, importadoras. Fazem isso de uma forma maquiada. Por exemplo, o eletrônico vem acabado da China, a empresa tira a placa do produto xingue-lingue e coloca a de fabricado no Brasil, com uma marca conhecida. Perde o consumidor, perde o trabalhador, perde o país. A empresa faz isso porque quebraria se continuasse produzindo aqui. Isso está disseminado em vários segmentos, de eletrônicos, linha branca, brinquedos, instrumentos musicais a outros. Enquanto isso ocorre, o emprego vai sendo dizimado na indústria. Além desse movimento, a criação de vagas no Brasil ocorreu nos últimos anos em setores de baixo valor agregado, como o de serviços, comércio, que não geraram riqueza ao país. Sofremos as consequências disso tudo.

EMPREGO E INDÚSTRIA

Vamos unidos para a rua na quinta (13), empresários e trabalhadores do setor, representados por três centrais [Força Sindical, UGT e CGTB] em um grito de alerta em defesa do emprego e da indústria. É um movimento apartidário, sem falar de volta de militar nem de impeachment. O ato é desvinculado do previsto para domingo, a quem respeitamos também.

Convidamos vários setores, mas infelizmente parte do empresariado ainda tem uma visão retrógrada, pensa que trabalhador e empresário juntos não dá certo. Mas um coisa é negociar salário, outra é defender um interesse em comum. Estamos juntos. Se um lado [indústria] morrer, o outro [emprego] também morre.

Há dois anos, o setor empregava perto de 380 mil. Perdemos 25 mil só neste ano. E a tendência, com o aprofundamento da crise, é isso se intensificar neste semestre. Mais de 25 mil vagas podem ser fechadas neste segundo semestre. Não há projetos novos nas fábricas, nem encomendas. Quem tinha de produzir ou já está entregando a encomenda ou teve pedidos cancelados. O programa de proteção ao emprego, do governo, não vai segurar empregos no nosso setor porque foi feito e desenhado para o setor automotivo. Talvez eles vejam luz daqui a 12 meses, porque produzem carro, que é um bem de consumo. Não tem apelo no nosso segmento. Que industrial vai garantir estabilidade quando não se enxerga luz no fim do túnel? Produzimos máquinas, que é um bem de capital. Nosso setor é o primeiro a entrar em crise e o último a sair.

AJUSTE

Governo após as eleições deu um ‘cavalo de pau’ nas expectativas de maneira tão rápida e brusca que a crise foi mais recessiva até do que se esperava. Agora toda a situação se agrava com a crise política instaurada.

Para retomar a confiança talvez seja necessário enfrentar o aprofundamento da crise, descer a um grau tal de insatisfação para ter um rearranjo geral institucional, sem que sejam necessárias medidas dramáticas como o impeachment. Não sou a favor, pois trará mais recessão e insegurança. Não sou votante do PT, mas estou convencido que, com todos os defeitos que a presidente possa ter, ela é uma pessoa honrada. Acho que está pagando por erros de terceiros do PT.

Agora, a classe política tem de se entender, criar uma situação de governabilidade que possa ser percebida pelo cidadão comum. Enquanto ele achar que virou uma guerra campal, a crise política só vai piorar a crise econômica

PORTA PARA DENTRO

Mesmo se, em um passe de mágica, resolvêssemos todos os problemas da porta para fora da indústria –todos os gargalos de infraestrutura, juros, câmbio, sistema tributário–, nosso parque industrial é envelhecido. Em média tem 17 anos, enquanto o da Alemanha tem sete. Levaríamos ao menos duas décadas para conseguir retomar produtividade. Não porque brasileiro é vagabundo e trabalha menos. Mas temos parque fabril atrasado, que pesa em 60% na produtividade, segundo um estudo do nosso setor. Outros 25% são fator humano, falta de qualificação e o restante, sistemas de gestão, organização. Da crise que estamos às reformas necessárias e a retomada do crescimento, são duas décadas.