Brasileiro tira a carne do prato, e produção industrial mergulha

Folha de S. Paulo

Com tombo de 7,2% do setor alimentício, atividade na indústria cai 8,9% ante julho de 2014

Setor registra 17ª taxa negativa seguida na comparação anual e causa mudanças nas projeções para o PIB

O setor de alimentos, que ainda sobrevivia à crise na indústria, reduziu o ritmo de atividade em julho e acentuou a queda da produção industrial no mês passado.

Segundo dados divulgados nesta quarta (3) pelo IBGE, a produção da indústria nacional caiu 8,9% em julho, em relação ao mesmo período de 2014. Foi a 17ª taxa negativa seguida nessa comparação.

Em relação a junho, a queda foi de 1,5%, pior do que o estimado por economistas consultados pela Bloomberg, que esperavam -0,1%.

A fabricação de veículos continuou a apresentar um dos maiores impactos para o resultado negativo, com retração de 19,1% em um ano. Com -34,8%, equipamentos de informática, eletrônicos e ópticos também pesaram.

O que mais surpreendeu os economistas, porém, foi o setor de alimentos, que vinha apresentando desempenho positivo. No mês passado, o tombo foi de 6,2% ante junho. Em relação a julho de 2014, o setor registra queda de 7,2%.

Segundo o IBGE, o desempenho foi influenciado por setores como o de açúcar e o de carne bovina –o último afetado pela queda na renda.

Os brasileiros estão trocando a carne bovina, mais cara, por outros tipos de proteína animal, como o frango, segundo Alex Santos Lopes, da Scot Consultoria, especializada no setor. Diante da menor demanda, os frigoríficos encontram dificuldades para repassar os altos custos de produção –o preço do boi gordo atingiu níveis históricos neste ano.

Para piorar a situação, importantes clientes do Brasil no exterior, como Rússia e Venezuela, enfrentam crises e reduzem suas compras: as exportações de carne caíram 23%, em volume, em julho.

O resultado é o fechamento de cerca de 50 frigoríficos no país só neste ano e ociosidade, segundo a Scot.

Já a produção de açúcar cai para dar espaço ao etanol, que ganha mercado neste ano devido ao aumento da mistura à gasolina e à alta no preço do derivado do petróleo.

Em julho, o consumo de etanol bateu recorde no país, conforme a Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar). No mercado de açúcar, há excesso de oferta, afirma Antonio de Padua Rodrigues, diretor da Unica.

Ele também lembra que o rendimento da cana está menor nesta safra. Segundo Padua, a quantidade de açúcar recuperável por tonelada está três quilos menor do que na safra passada, contribuindo para menor produtividade.

Para o IBGE, a indústria de suco de laranja também apresenta resultado negativo. O setor tem menos matéria-prima para processar: a safra deste ano está aproximadamente 10% menor.

FUNDO DO POÇO

“Imaginamos que a indústria estava chegando ao fundo do poço, mas vimos abrir um alçapão. Sob qualquer prisma, o desempenho foi péssimo”, disse Thais Marzola, da Rosenberg Associados.

Por ser o primeiro indicador relevante do segundo semestre, a produção industrial levou a nova revisão para o PIB. Na Rosenberg, a expectativa de queda em 2015 passou de 2,5% para 2,6%.

O quadro continua adverso para a indústria nos próximos meses. O sintoma mais visível é o alto nível dos estoques, o que provoca redução da produção e demissões.

Até agora, a alta do dólar trouxe benefícios apenas pontuais para o setor. É o caso de papel e celulose, com aumento de 2,6% na produção ante julho de 2014.

“O movimento [do câmbio] não tem efeito imediato na indústria em geral. Os contratos de exportação são fechados com antecedência”, diz André Macedo, gerente de Indústria do IBGE.

A indústria encontra-se 14,1% abaixo do nível recorde alcançado em junho de 2013. A quantidade de produtos fabricados está em patamar próximo ao visto em maio de 2009.