Brasil gasta quase metade do seu orçamento para pagar juros da dívida ao capital financeiro, numa dívida sem fim.
A Força Sindical do Paraná realizou, hoje (10) pela manhã, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba, o Fórum “Dívida Pública: o ralo do nosso dinheiro”, que mostrou como a Dívida Pública brasileira é usada para favorecer a banqueiros e o capital financeiro, em detrimento do povo brasileiro. Quem esteve à frente do Fórum foi Maria Lúcia Fattorelli, ex auditora da receita federal, fundadora do Movimento Auditoria Cidadã da Dívida e, a convite dos governos do Equador (2007) e da Grécia (2014), uma das integrantes dos comitês que analisaram as dívidas dos dois países.
Para Maria Lúcia existe um “sistema da dívida” no Brasil orquestrado para favorecer os agentes do capital financeiro com a anuência dos governos tanto nacional, como estaduais e municipais. “As pessoas acreditam que dívida pública serve para financiar o estado e não se apercebem que isso se transformou num grande negócio para o sistema financeiro. O sistema da dívida se utiliza de mecanismos para transferir e desviar os recursos públicos para o setor privado financeiro”, diz Fattorelli.
O resultado desse esquema é que quase metade do orçamento nacional é usado para pagar juros e amortização da divida a bancos e instituições financeiras, enquanto que áreas importantes e estratégicas para o país, como a saúde e a educação, não chegam a receber nem 4% desse orçamento.
Segundo dados do Movimento, somente no ano passado, o Brasil pagou cerca de R$ 978 bilhões da dívida (45% do orçamento). “Mesmo com o Brasil sendo a 7º economia do mundo ele ocupa as últimas posições nos rankings internacionais que medem a qualidade de vida de seus habitantes”, diz Fattorelli. Ela mostrou que hoje, o país ocupa o penúltimo lugar no ranking da educação e apenas o 79% do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos países. “Isso é resultado da má distribuição de renda que existe no Brasil e o do sistema da divida, que é usado para favorecer o capital financeiro”, completa.
Para ela o sistema já começa pelo modelo econômico adotado no país e que é voltado apenas para a concentração de renda e riqueza. “Por exemplo o modelo tributário no Brasil é altamente concentrador. Pagamos tributos por tudo o que consumimos e pelo que recebemos, porém, a remessa de lucros ao exterior das multinacionais ou a arrecadação de juros por parte dos bancos são isentas de pagamento. Um trabalhador que recebe R$ 2 mil por mês paga impostos, mas empresário que tem lucro distribuído de R$ 2 milhões é isento”, diz Fattorelli.
A mesma inversão se dá com relação à dívida pública, que é aumentada não para favorecer o país e sim o capital financeiro. “Quando se fala em dívida pública nós temos identificado que a geração da dívida não tem nenhuma contrapartida para o país. Dívidas são geradas sem que haja a atitude de emprestar, onde o país tem sua dívida aumentada sem receber nada em troca. O sistema da dívida não significa investimento no país”, diz Fattorelli. “É um sistema às avessas. Quando o endividamento do estado deveria ser para completar suas receitas e ser aplicado nas áreas sociais, acontece o oposto”, aponta Maria Lúcia.
Sistema montado para gerar dívida e não pagar
Maria Lúcia mostrou como o sistema é montado para favorecer as instituições financeiras apontando alguns dos mecanismos utilizados para esse fim como o estabelecimento de abusivas taxas de juros, a aplicação de juros sobre juros, além da cobertura de bilionários prejuízos operacionais do Banco Central – operação que só em 2010, deu prejuízo de R$ 48 bilhões ao Tesouro Nacional. “Isso é escândalo, é inconstitucional. Nossa Constituição proíbe o que se chama de anatocismo. Quando você contrata dívida para pagar juros, o que você está fazendo? Você está transformando juros em uma nova divida sobre a qual vai incidir juros. É o tal de juros sobre juros”, diz Fattorelli. “Imagine se o nosso salário fosse reajustado todo o mês? E no mês seguinte um reajuste em cima do outro? Que bom seria, heim? Com a dívida funciona assim, todo mês é atualizada de forma cumulativa”, esclarece.
Somente com o “swap” cambial – quando o Banco Central garante ao setor financeiro operações com variação do dólar – o Brasil teve um prejuízo de R$ 158 bilhões, um montante superior ao orçamento da saúde para esse ano. “O que o país ganhou com essa operação, que foi meramente especulativa? Só ficou com a dívida”, diz Fattorelli.
Outra operação chamada de “operações compromissadas”, quando o Banco Central remunera os demais bancos pela sobra de caixa através do pagamento de juros, já gerou uma dívida de R$ 1 trilhão de reais. “Imagine poder usar esse dinheiro , que é fruto da especulação, na educação?” – questiona Maria Lúcia – “quantas transformações não faríamos? Mas infelizmente, essa privatização de recurso público por meio da emissão de títulos do Tesouro Nacional e da definição da taxa de juros não dá contrapartida. Que dívida é essa onde mesmo você não emprestando, ela continua crescendo?”, pergunta.
Lucros para os bancos e ajuste fiscal na população
Enquanto a economia segue estagnada, os bancos continuam lucrando em cima da população através da Dívida Pública. Somente no ano passado, os bancos no Brasil lucraram R$ 80 bilhões. “Que crise é essa onde os bancos lucram bilhões?”, questionou.
O ajuste fiscal que vem sendo promovido esse ano pelo governo também foi atacado. “O país gasta seu orçamento com as especulações da dívida e agora vem falar em ajuste fiscal! Mas em cima de quem? Da população”, diz Fattorelli. “Todo o país está sendo sacrificado. A indústria sofrendo, o comércio, os trabalhadores tendo que se apertar, mas, e os bancos? Esses estão lucrando”, diz apontando que a conta está ficando para a população pagar mais uma vez.
Sistema perverso que custa 21 mensalões por dia
Diante do questionamento de como um sistema desse consegue se manter de pé com tantas evidências mostrando que é prejudicial ao país, Fattorelli apresentou as engrenagens usadas para sustentar o lucro do sistema financeiro.
“A estratégia de manutenção desse modelo de benesses para o setor financeiro é fundamentado em cima do modelo econômico que privilegia a concentração de renda e através do financiamento eleitoral de campanha e da corrupção”, denuncia Fattorelli.
Ela também mostrou que a grande mídia também faz parte do sistema. “quem financia a mídia? Quantas propagandas de bancos vocês veem todo o dia na televisão? Então, é preciso que a mídia fale o que seus financiadores querem, assim também funciona com os políticos financiados”, mostra Fattorelli e exemplifica: “O prejuízo com o mensalão foi de R$ 140 milhões, não? E isso foi debatido e mostrado existentemente na mídia. Todo mundo já ouviu falar. Pois então, a dívida custa 21 mensalões por dia ao Brasil e porque isso não é mostrado? Porque não interessa ao capital financeiro”, denuncia.
Exemplo do Equador
Fattorelli também falou sobre a sua experiência no Equador quando, a convite do presidente equatoriano Rafael Correa, fez parte da comissão que realizou a auditoria da dívida daquele país, em 2007. “O Equador deu uma grande lição de cidadania ao mundo quando resolveu peitar o capital financeiro e propor auditoria da sua dívida”.
Os dados da auditoria apontaram uma série de graves indícios de ilegalidades e ilegitimidades e serviu para embasar a anulação de 70% da dívida pelo presidente. “O que o governo Correa fez com o resultado da auditoria foi calcular o que era a dívida real do país. Depois disso fez a proposta de pagamento e sanou a dívida”, resumiu Fattorelli.
“Livre dos encargos abusivos da dívida, sobrou mais dinheiro para os gastos sociais. O resultado é que hoje, o país erradicou o analfabetismo e reconstituiu o sistema de saúde publica”, disse.
O que pretende a Auditoria Cidadã da Dívida?
Fattorelli explicou qual o objetivo do Movimento Auditoria Cidadã da Dívida. “Que dívida essa que está sacrificando e amarrando o nosso país? O que realmente devemos? O que realmente é dívida mesmo e o que é fruto da especulação? Quem está se beneficiando desse sistema? Qual a responsabilidade dos credores e organismos internacionais nesse processo? De onde veio essa dívida toda? Quem contraiu? Quais os mecanismos que estão sendo usados para gerar a dívida? Pra responder a essas perguntas não adianta opinião. Queremos ter acesso aos documentos, fazer uma auditoria para termos o quadro real do que está acontecendo”, diz.
Força PR vai integrar movimento pela Auditoria da Dívida
Participaram do Fórum, diversas Sindicatos do estado, além de representantes de movimentos sociais e de outras Centrais. Do Fórum saiu a proposta para a formação em Curitiba de um núcleo do Movimento Auditoria Cidadã da Dívida.
“Depois dessa palestra, embasada em dados e números, fica bem claro onde está o real problema do Brasil. E vamos integrar a luta para enfrentar e denunciar na sociedade o que acontece com o metade do dinheiro do contribuinte, que acaba se esvaindo de graça para os cofres dos banqueiros e especuladores. Nossa luta é para exigir uma auditoria já da dívida pública”, diz o vice-presidente da Força PR, Sérgio Butka.