Uso do FGTS no Minha Casa Minha Vida enfrenta resistência

BRASÍLIA – A decisão do governo de usar R$ 4,8 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para a faixa de renda mais baixa do programa Minha Casa Minha Vida, em que a moradia é praticamente doada, encontra forte resistência no Conselho Curador do FGTS. O argumento é que o FGTS é um fundo privado, que pertence aos trabalhadores, e esse dinheiro seria transferido a fundo perdido, sem retorno. Como ainda não obteve uma resposta clara do Executivo sobre a forma como a equipe econômica pretende utilizar esses recursos, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, teve de adiar para o próximo dia 23 a reunião do Conselho Curador marcada para ontem.

— O governo não pode fazer doação de casa com dinheiro do FGTS — disse um conselheiro, que prefere não ser identificado.

PARA EMPRESÁRIO, ‘PEDALADA’

Ao anunciar o pacote de medidas de ajuste fiscal, na segunda-feira, o governo informou que vai cortar R$ 4,8 bilhões do orçamento previsto para a terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida, que é de R$ 15,6 bilhões para 2016. E decidiu repassar essa conta para o FGTS, de forma a atender as famílias da faixa de renda mais baixa — a chamada faixa 1, cuja renda é de até R$ 1.800.

O governo vai baixar uma medida provisória (MP) para alterar a lei que regula o uso do FGTS. A legislação atual permite que parte do dinheiro do Fundo seja usada para dar subsídios (desconto no contrato habitacional) diretamente à pessoa física. A proposta do Executivo é transferir os recursos do FGTS para outro fundo, o de Arrendamento Residencial, que é abastecido com recursos da União e banca as moradias para as famílias beneficiárias do programa da faixa 1.

— Isso é absurdo, a maior “pedalada” que eu já vi. Acontece que o governo não tem dinheiro para a faixa 1, mas a presidente (Dilma Rousseff) quer manter o programa a qualquer custo. O negócio é sair por aí inaugurando conjuntos habitacionais — criticou um empresário do setor, que preferiu não ser identificado.

Para representantes do setor produtivo, a aprovação da medida no Congresso não será fácil, porque significa ampliar ainda mais a participação do FGTS para fazer política social. O Fundo hoje não beneficia a faixa 1, mas opera nas faixas superiores, na concessão de subsídios e de financiamento com condições mais acessíveis. Com a revisão dos parâmetros do programa Minha Casa Minha Vida, podem ser beneficiadas famílias com renda de até R$ 6.500.

Segundo fontes da equipe econômica, os recursos virão da multa adicional de 10% nas demissões sem justa causa. Os R$ 4,8 bilhões correspondem exatamente ao valor arrecadado por ano. A MP, porém, não deve fazer referência à multa, porque essa receita não pode ser usada para uma finalidade específica, como pretende fazer o governo.

PROPOSTA PODE NÃO PASSAR

A multa adicional foi criada para ajudar a pagar os expurgos inflacionários aos cotistas do FGTS (Planos Verão e Collor I) e já cumpriu a sua missão. Apesar dos apelos do setor produtivo, a multa continua sendo cobrada e vai diretamente para o caixa do Tesouro Nacional.

O problema é que o Tesouro não está repassando o valor arrecadado ao FGTS. De acordo com dados de junho, a dívida chega a R$ 10,879 bilhões. Além disso, a União deve ao Fundo mais R$ 8,325 bilhões, como contrapartida à concessão de subsídios ao programa Minha Casa Minha Vida.

Para a professora do Instituto de Economia da UFRJ Margarida Gutierrez, não há garantia de que a proposta de usar recursos do FGTS para compensar o corte no orçamento do programa será aprovada:

— A proposta de compensar os cortes com o FGTS e com as emendas de parlamentares (caso do PAC e da Saúde) pode enfrentar resistência dos trabalhadores e dos políticos.

O governo cortou R$ 3,8 bilhões do PAC e pretende negociar com os parlamentares que o valor seja compensado pelas emendas impositivas. Pretende fazer o mesmo no caso da Saúde: 50% das emendas impositivas devem ser obrigatoriamente destinadas à área.