O maior aumento dos preços dos bens e serviços consumidos pelas famílias de baixa renda e a queda do salário real fizeram uma parte das famílias regredir socialmente. De acordo com dados da Federação do Comércio de São Paulo (FecomercioSP), 1,2 milhão de famílias (2% do total) andaram para trás nos últimos 12 meses. Algumas saíram da classe C para a D, outras deixaram a classe D e retornaram para a E.
Um reflexo direto da perda do poder de consumo dessa parcela da população aparece nas vendas dos supermercados. Segundo a Pesquisa Mensal do Comércio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em julho passado as famílias saíram dos supermercados com um volume 2% menor de compras. Além da menor quantidade, os consumidores estão trocando marcas tradicionais por mais baratas. Pesquisa do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios de São Paulo (Sincovaga), mostrou que 59% dos clientes entrevistados pela entidade declararam essa troca em julho.
De acordo com o Índice do Custo de Vida da Fecomércio, a inflação que atinge a cesta de consumo das classes D e E superou 11% nos últimos 12 meses, enquanto a inflação das classes A e B ficou abaixo de 9%. A diferença de mais de 2 pontos percentuais associada à perda salarial do período (de acordo com a pesquisa mensal de emprego do IBGE, o rendimento médio real caiu 2,5% no último ano) alterou a pirâmide social, fazendo com que 231 mil famílias tenham passado da classe C para a D e outras 920 mil tenham deixado a classe D em direção a E, apenas nos últimos 12 meses.
O assessor econômico da FecomercioSP, Fabio Pina, explica que o estudo considerou a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2008/2009 do IBGE. A partir dela – com valores atualizados para dezembro de 2014 -, o trabalho reclassificou as rendas das famílias, considerando a corrosão do poder de compra de cada grupo pela sua cesta de consumo de bens e serviços e a perda do valor real dos salários. “O que vemos é que a inflação, o aumento de juros e a falta de crédito afetaram mais a população de baixa renda e colocam em risco as conquistas dos últimos anos”, diz Pina, para quem essa situação é reflexo do esgotamento do modelo de crescimento ancorado no consumo que marcou a economia nos últimos anos.
O trabalho não considerou nem o efeito do desemprego sobre a renda das famílias e também não trabalhou com a hipótese de que entre 2008/2009 e 2014, um grupo maior de famílias deve ter entrado na classe C, justamente como reflexo da política de incentivo ao consumo, aumentos reais do salário mínimo e maior transferência de renda. Mas se a classe C já tinha mais gente, talvez o número de pessoas que agora estão deixando esse grupo seja maior, pondera Pina, explicando que a preocupação não foi identificar o número exato de pessoas que “regrediram” socialmente, mas mostrar o quão forte os efeitos da recessão estão sendo sentidos justamente pelas parcelas de menor renda da população.
“O desconforto delas é maior e ele é sentido, principalmente, a cada vez que elas vão ao supermercado”, pondera ele. “Elas compram menos bens e trocam de marca”, avalia ele. A perda das classes de menor renda é maior, explica ele, porque em sua cesta de consumo o peso dos alimentos e dos serviços públicos (como energia e transporte) é maior e esses foram os itens que mais subiram.
A mudança nos hábitos de consumo apareceu na pesquisa regular com 200 consumidores que o Sincovaga realiza. Na pesquisa de julho, 59% deles informaram que já trocaram as marcas tradicionais pelas concorrentes de mesmo nível e 50% compraram produtos populares em substituição às marcas tradicionais, sendo que 52% optaram por fazê-lo nos itens de higiene e limpeza e 41% em alimentação básica (arroz, feijão, macarrão, carnes). “Esse processo de substituição começou há um ano e tem crescido”, diz Álvaro Furtado, presidente do Sincovaga. Ele diz que esse movimento é mais forte “nas periferias, onde a classe que ascendeu socialmente está com a renda muito comprometida pelos compromissos que assumiu nos últimos anos”, como a conta do celular, a prestação do carro e às vezes até da casa própria.
Para Pina, da Fecomercio, a situação tende a se agravar quando o desemprego aumentar, pois ele vai afetar diretamente a renda de uma parte das famílias. Além disso, observa, pelos próximos dois a três anos, o salário mínimo não terá correção real e as negociações salariais em curso já mostram uma maior dificuldade das categorias em negociar reajuste real. “O desemprego vai será maior no chão da fábrica e também em serviços, atingindo diretamente a população de menor renda e a classe média”, acrescenta.