PL 6.787/16: MPT demole reforma trabalhista do governo Temer
Num quadro de recessão, o que se consegue com medidas restritivas é a “substituição de empregados com mais direitos por empregados com menos direitos e menor segurança, sem qualquer benefício à sociedade”. Trocando em miúdos: retirar ou restringir direitos não vai gerar nenhum emprego a mais, nem tampouco vai melhorar a renda das famílias. Vai, sim, é aprofundar o já caótico quadro social brasileiro.
Marcos Verlaine
Cheios de contradições, ilegalidades e inconstitucionalidades, os projetos de lei, em discussão na Câmara e no Senado, que alteram a legislação trabalhista, por demanda e pressão do mercado, em nada contribuem para superar os problemas do desemprego e dos desequilíbrios nas relações de trabalho que perduram no Brasil.
Em quatro notas técnicas, disponíveis no portal do DIAP, o Ministério Público do Trabalho (MPT) examina e opina sobre o PLS 218/16, do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que institui o trabalho intermitente; o PL 6.787/16, do Executivo, que trata da reforma trabalhista; e o PLC 30/15, do ex-deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) e PL 4.302/98, do ex-presidente FHC, sobre terceirização da mão de obra.
Sobre os projetos, o MPT faz contundentes, robustos e embasados questionamentos jurídicos que jogam por terra a ideia de que poderão, as proposições, se aprovadas no Legislativo federal contribuir para superar o quadro crescente de desemprego, redução da renda das famílias e desigualdades sociais. Pelo contrário, avalia a instituição, “A diminuição de direitos trabalhistas conduz ao encolhimento da renda do trabalhador e, portanto, à diminuição da capacidade aquisitiva dos consumidores (ainda mais com o mercado de crédito pessoal já proibitivamente caro)”.
E acrescenta: num quadro de recessão, o que se consegue com medidas restritivas é a “substituição de empregados com mais direitos por empregados com menos direitos e menor segurança, sem qualquer benefício à sociedade”.
Trabalho intermitente
Em relação ao PLS 218, a Nota Técnica 1, diz que há “flagrante inconstitucionalidade”, pois “equipara os trabalhadores aos demais insumos da produção”, como se “coisa” ou serviço fossem: energia elétrica, serviços telefônicos e máquinas locadas. O MTP conclui a nota pedindo a “rejeição integral” do projeto. Para entender mais e melhor sobre o assunto leia o artigo: Trabalho intermitente: entenda o que significa isto.
A NT diz ainda que a “inovação” legislativa “viola a função social da propriedade, segundo a qual a empresa não pode servir apenas à acumulação do lucro, devendo haver um equilíbrio entre esta legítima função e o respeito à dignidade do trabalhador (…)”. O projeto também viola o “princípio geral dos contratos”, que entre outras determinações diz que “Todo contrato deve ser certo e determinado, conforme princípio clássico da teoria geral dos contratos”.
E segue: “Com a instituição do contrato de trabalho intermitente, suprime-se a certeza e a determinação das duas principais cláusulas do contrato de trabalho. Assim o trabalhador não saberá nem quanto tempo deverá trabalhar, nem o valor da remuneração mínima que receberá a cada mês trabalhado”.
“Ao permitir a contratação e a remuneração de empregados apenas pelo período de horas determinada pelas necessidades de empresa — embora mantenha o trabalhador à disposição por períodos indefinidos, aguardando que seja demandado — (…) subverte a lógica histórica do nosso modelo e produção”. E segue: “Transfere aos empregados os riscos da atividade econômica, em flagrante colisão com os termos do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho”.
Reforma trabalhista
Enviada ao Congresso no final de 2016, a proposta constituída no PL 6.787 evidencia “prejuízo aos trabalhadores e à organização capital-trabalho”, afirma a NT 2. Desse modo, entende o MPT, que o projeto deve ser parcialmente rejeitado, e deve haver ainda adequações.
O projeto amplia os contratos de trabalho em tempo parcial e o temporário, regulamenta a representação sindical por local de trabalho e introduz a negociação coletiva sobre a legislação.
Trabalho em tempo parcial. O projeto altera essa modalidade de contrato de 25 para 30 horas semanais, com horas extras de até 26 horas semanais. Correspondendo a até “73% daquelas admitidas no contrato de trabalho a tempo integral”.
O artigo 58-A da CLT determina que a duração da jornada parcial não exceda 25 horas semanais. De modo que a jornada máxima admitida, nesse contrato, corresponda a aproximadamente 57% do contrato de tempo integral, considerando a jornada constitucional de 44 horas semanais.
Assim, a diferença entre o contrato parcial e o integral é tênue. “Se, contratando por tempo parcial, o empregador puder contar com empregados que trabalharão mais que 2/3 da jornada de empregados do regime integral, por óbvio haverá enorme encorajamento [aos empregadores] à substituição de empregados em regime integral”.
Representação por local de trabalho. O projeto trouxe esta antiga demanda sindical, que inclusive consta na Constituição de 88 (artigo 11), mas que até hoje não foi regulamentada. A proposta é louvável, porém “insuficiente e gera dúvidas a respeito da sua execução”, entende o MPT.
No projeto vê-se que “nem o mais reduzido grau de representação e de participação dos trabalhadores no local de trabalho é assegurado”, conclui a NT. E acrescenta: “Há previsão apenas do direito de participação nas negociações coletivas, cuja atribuição para celebração é da entidade sindical, e do dever de atuar na conciliação dos conflitos trabalhistas, com enfoque no pagamento de salário e verbas rescisórias”.
O texto não confere poder para o “representante sindical” na negociação coletiva, já que este é por direito da entidade sindical. E também não descreve ou garante instrumentos para a conciliação, pois “não há qualquer garantia de acesso à informação, para que o representante tenha condições de promover o entendimento entre o empregado e o empregador de forma efetiva e que, concretamente, possa reduzir a judicialização do conflito”.
Prevalência da negociação sobre a legislação. Trata-se da principal “inovação” do projeto. Questão acalentada pelo mercado, esta é uma das obsessões da bancada empresarial, no Congresso, em relação à legislação do trabalho. Embora, pelo projeto, essa alteração seja pontual, nada garante ou assegura que a bancada patronal não vá querer ampliar a mudança, de modo a tornar nula ou obsoleta a legislação trabalhista.
Pelo projeto, doze itens podem ser objeto dessa modalidade de negociação:
1) parcelamento das férias em até três vezes, com pelo menos duas semanas consecutivas de trabalho entre uma dessas parcelas;
2) pactuação do limite de 220 horas na jornada mensal;
3) o direito, se acordado, à participação nos lucros e resultados da empresa;
4) a formação de um banco de horas, sendo garantida a conversão da hora que exceder a jornada normal com um acréscimo mínimo de 50%;
5) o tempo gasto no percurso para se chegar ao local de trabalho e no retorno para casa;
6) o estabelecimento de um intervalo durante a jornada de trabalho com no mínimo de 30 minutos;
7) estabelecimento de um plano de cargos e salários;
8) trabalho remoto;
9) remuneração por produtividade;
10) dispor sobre a extensão dos efeitos de uma norma mesmo após o seu prazo de validade;
11) ingresso no programa de seguro-emprego; e
12) registro da jornada de trabalho.
A legislação atual já prevê que negociação supere a ordem legal, desde que seja para prever situações mais benéficas aos trabalhadores, que o disposto no ordenamento jurídico. “A lei é o piso e os instrumentos coletivos podem dispor de situações que se configurem além do mínimo previsto legalmente aos trabalhadores”. Assim, diz a NT, “conclui-se que o único propósito”, de introduzir tal comando no projeto, “é permitir a exclusão de direitos trabalhistas pela via negocial”.
Trabalho temporário. O projeto amplia o contrato temporário dos atuais 90 dias prorrogáveis por mais 90, para 120 dias com possibilidade de prorrogação por mais 120.
A mudança, segundo o governo, se faz necessária “motivada pela alteração sazonal na demanda por produtos e serviços. Nesta alteração proposta no PL 6.787, o MPT vê dois problemas. Assim, a “ocorrência da alteração sazonal faz parte do risco do negócio e admiti-la como justificativa para a contratação de trabalhador temporário é transferir o ônus do empreendimento para o trabalhador, tendo em vista que se trata de contrato de trabalho que prevê patamar de proteção inferior ao contrato por prazo indeterminado. Além disso haverá dificuldade em se conceituar sazonalidade para a caracterização do contrato temporário, o que irá gerar insegurança jurídica”.
No que diz respeito à ampliação do prazo de 90 para 120 dias, “não se apresenta qualquer justificativa para embasar a alteração”, diz o MPT. “Contudo, em razão de ser uma espécie contratual que estabelece um rol menor de direitos aos trabalhadores, conclui-se que a extensão das possibilidades de utilização causará prejuízo aos trabalhadores”.
Terceirização da atividade-fim
Esta é outra obsessão da bancada empresarial no Congresso. E só não foi introduzida ainda nas relações de trabalho no Brasil graças à luta sindical, que não tem poupado esforços, tanto na Câmara, quanto no Senado, para evitar que proposições com esse escopo sejam aprovadas no Legislativo federal.
As duas principais proposições com este conteúdo são o PL 4.302/98, em discussão na Câmara, e o PLC 30/15, em debate no Senado. O primeiro resgata a lógica do texto aprovado na gestão do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na presidência da Câmara, em 2014, e o segundo recebeu substitutivo do senador Paulo Paim (PT-RS), ainda pendente de votação, que lhe conferiu apoio do movimento sindical.
Estes projetos são objeto de análise e posicionamento do MPT. Em relação ao PLC 30, a análise é relativa ao texto aprovado pela Câmara (PL 4.330/04), em 2014, e enviado ao exame do Senado. O MPT entende que deve haver modificações para aprova-los, que é exatamente o que pretende o substitutivo ao PLC 30, do senador Paulo Paim (PT-RS). Sobre aquele texto outrora aprovado pela Câmara, e o que ainda está em discussão também na Casa, o órgão entende que são inconstitucionais, pois estendem a terceirização da mão de obra às “atividades finalísticas da empresa”.
“Terceirização de atividade-fim é mera intermediação de mão de obra uma vez que a tomadora [contratante] de serviços estará contratando, por meio de terceiros, trabalhadores que devem estar e ela subordinados — o que implica aluguel de gente”, diz a NT.
“O trabalho não é mercadoria”, explicita princípio fundamental do direito internacional do trabalho, cuja afirmação decorre do reconhecimento universal de que o “trabalho é uma das características que distinguem o homem do resto das criaturas, cuja atividade, relacionada com a manutenção da própria vida, não se pode chamar trabalho. Somente o homem tem capacidade para o trabalho e somente o homem o realiza preenchendo ao mesmo tempo com o trabalho a sua existência sobre a terra”.
“O princípio fundamental de direito internacional laboral de que o trabalho não é mercadoria assenta-se, assim, nos valores da dignidade da pessoa humana e no valor social do trabalho”.
A “terceirização precariza as relações de trabalho e causa prejuízos aos trabalhadores”, na medida que reduz direitos e traz prejuízos à saúde e à segurança dos trabalhadores, como demonstram inúmeros estudos realizados, com destaque para o fato de os terceirizados sofrerem 80% dos acidentes fatais de trabalho, terem as piores condições de saúde e segurança no trabalho, realizarem as atividades de maior risco, sem a necessário proteção, receberem salário menor do que os contratados diretamente, cumprirem jornadas maiores do que os contratados diretamente, receberem menos benefícios indiretos, como planos de saúde, auxílio alimentação, capacitação, entre outros e sofrem com maior rotatividade.
MPT propõe
Para melhorar os projetos que expandem a terceirização à atividade-fim da empresa, o MPT propõe vedar a terceirização de tal modalidade de trabalho; estabelecer a responsabilidade solidária ampla da contratante dos serviços, para todos os créditos e para o meio ambiente do trabalho; vedar a subcontratação (quarteirização) pela empresa prestadora de serviços; e reconhecer a isonomia de direitos entre terceirizados e empregados diretos.
Sobre o substitutivo ao PLC 30/15
Em discussão no Senado, no âmbito da Agenda Brasil, o relator do projeto, senador Paulo Paim trabalhou um relatório que contempla as principais demandas do movimento sindical.
Quais sejam: distinção entre atividade-meio e fim, relações solidárias x subsidiária, representação sindical, subcontratação ou quarteirização e pejotização. Então vejamos:
Atividades-meio e fim. Neste quesito, Paim, no seu relatório regulamenta a terceirização na atividade-meio e a proíbe na atividade-fim.
Relação solidária x subsidiária. Foi mantido o texto aprovado pela Câmara, que garante a relação solidária.
Representação sindical. Manteve-se o texto aprovado na Câmara. Isto é, garante isonomia de direitos entre o contratado diretamente e o terceirizado.
Subcontratação ou quarteirização. Pelo relatório de Paulo Paim fica proibida a subcontratação ou quarteirização, com ressalvas para o segmento da construção civil ou setores que possuem legislação específica sobre o assunto.
PJ (pejotização). Pelo relatório que vai à discussão, fica proibida a contração de pessoa física como se jurídica fosse. O texto aprovado pela Câmara permitiu isto, com quarentena. Isto é, o empregador poderia demitir o trabalhador e dois anos depois contratá-lo como pessoa jurídica (pejotização).
Em razão dos avanços obtidos no texto em discussão no Senado, a bancada empresarial desistiu do PLC 30 e tenta aprovar o PL 4.302, que está pronto para votação no plenário da Câmara, cujo relator é o deputado Laercio Oliveira (PR-SE).