Os efeitos negativos da recessão sobre o mercado de trabalho vão além do aumento da desocupação. Em 2016 o brasileiro também trocou menos de emprego. A taxa de rotatividade no país caiu ao menor nível dos últimos 10 anos, a 38,5%. Em 2014, quando atingiu seu percentual máximo nesse intervalo, o nível era quase 15 pontos percentuais superior, 51,8%. A retração, de 25% na média total, é ainda maior entre os jovens – de 31,4% para aqueles entre 18 e 24 anos e de 50,7% para os que têm até 17 anos. No primeiro caso, a rotatividade caiu de 84,7% para 58,1% e, no segundo, de 153,6% para 75,7%.
Após dois anos em queda, entretanto, a rotatividade pode voltar a crescer em 2017, avaliam economistas, a depender do ritmo de reação da atividade e, no médio prazo, devido à nova lei que amplia a possibilidade de terceirização às principais atividades das empresas e que regulamenta o trabalho temporário, sancionada na sexta-feira. Os cálculos foram feitos com o estoque de emprego celetista da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e os registros de admitidos e desligados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Diante da falta de oportunidades e da dificuldade de encontrar novas vagas, os trabalhadores evitaram pedir demissão no ano passado. Entre 2014 e 2016, o total de desligamentos a pedido encolheu quase pela metade, de 5,7 milhões para 3 milhões, ante retração de 24,2% no total de cortes, de 20,5 milhões para 15,5 milhões.
Dois anos atrás, um em cada três desligamentos de funcionários com carteira era pedido pelo próprio trabalhador, proporção que caiu para 19,6% no ano passado. Mais uma vez, foram os jovens que protagonizaram esse movimento. A demissão a pedido recuou 52,3% na faixa de 18 a 24 anos e 65,7% para aqueles com até 17 anos.
O grupo é o que mais sente o impacto negativo da recessão sobre o mercado de trabalho. O efeito é duplo: a eliminação de vagas é maior entre os jovens e as novas oportunidades tornam-se cada vez mais escassas. Essa combinação tem uma consequência de médio e longo prazo que especialistas chamam de “efeito cicatriz”, o desenvolvimento profissional atrofiado, em algumas situações, com salários menores até o fim da carreira.
Os primeiros anos no mercado são importantes para que o trabalhador experimente, afirma o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes, para que descubra em que áreas suas habilidades se encaixam melhor. “Em períodos de crise, às vezes, o jovem pega a primeira coisa que aparece, e isso tem efeitos para o resto de sua vida no mercado de trabalho”.
Na crise atual, o mercado formal reduziu muito mais as contratações do que elevou as demissões, lembra José Ronaldo Souza Júnior, diretor de macroeconomia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No ano passado, admissões e demissões recuaram 16% e 15,9% sobre 2015, nessa ordem, quando haviam caído 18,4% e 9,9% em relação a 2014. “O jovem tem muito menos oportunidades para o primeiro emprego”, afirma.
Na AlmavivA, que atua no mercado de telemarketing – setor que emprega em sua maioria jovens que estão ingressando no mercado de trabalho -, a rotatividade recuou dois pontos percentuais entre 2015 e 2016. Nos últimos três anos, o tempo médio de permanência dos funcionários na empresa praticamente dobrou, de 6 a 8 meses para 15 a 18 meses, conta a diretora de recursos humanos, Andrea Cunha.
“Essa mudança se deve em parte aos nossos programas de retenção de colaboradores, mas também ao cenário econômico, ao receio que os trabalhadores têm em relação à crise”, ela afirma. Dos 32 mil funcionários da empresa, 60% têm menos de 25 anos. Do total, 70% estão no Nordeste, 20% estão em Minas Gerais e Brasília e 10%, em São Paulo.
As oportunidades diminuem em momentos de crise como o atual também porque os trabalhadores mais velhos passam a concorrer por vagas que exigem menor qualificação e pagam menores salários, em uma tentativa de garantir alguma renda para o domicílio. Entre os 12,3 milhões de desempregados contabilizados no último trimestre do ano passado, pouco mais de 5 milhões, 40,8%, tinham até 24 anos, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.
Os trabalhadores com idade entre 25 e 49 anos são os últimos a serem demitidos e os que têm maiores chances de recolocação, diz Gabriel Ulyssea, professor de economia da PUC-Rio, já que as empresas procuram manter os trabalhadores mais produtivos, aqueles que, em teoria, conseguem fazer mais com menos recursos.
No Brasil, ele complementa, a rotatividade é pró-cíclica – ou seja, tende a acelerar em momentos de crescimento econômico e arrefecer nas crises. Assim, avalia o economista, a recuperação da atividade pode levar a um aumento desse fenômeno no médio prazo, ao lado da nova legislação que regulamenta a terceirização e o trabalho temporário, dois regimes de contratação em que, classicamente, os trabalhadores trocam mais de emprego do que aqueles com contrato direto e de período integral.
A queda forte da rotatividade, diz Ulyssea, também é explicada por uma particularidade brasileira, os incentivos que a legislação oferece às chamadas “falsas demissões”. Uma delas é o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), uma poupança forçada, de baixo rendimento, que pode ser resgatada pelo trabalhador em poucas situações – uma delas é a demissão sem justa causa.
Até 2015, a rotatividade também era alimentada pelo acesso mais fácil ao seguro-desemprego, garantido a trabalhadores com pelo menos seis meses de carteira assinada. Em meados daquele ano as regras endureceram, e, atualmente, apenas aqueles com mais de 12 meses de serviço podem dar entrada no benefício.
Depois de crescer 11,7% em 2014, na comparação com o ano anterior, e 5% em 2015, as despesas com seguro-desemprego formal (que exclui aquele pago a pescadores artesanais e trabalhadores domésticos) subiram 1,3% no ano passado, a R$ 35,6 bilhões.