O acordo foi fechado sem assistência do sindicato dos trabalhadores.
Em geral, a Justiça do Trabalho não costuma aceitar acordos extrajudiciais para quitação de verbas decorrentes do contrato de trabalho. A possibilidade é admitida em casos excepcionais que envolvam executivos, assessorados por seus advogados.
Para os desembargadores da 1ª Turma da 1ª Câmara do TRT, porém, ainda que a convenção coletiva da categoria exigisse a presença do sindicato para a transação extrajudicial, não houve vício formal no acordo que justificasse a anulação.
Ao sair da empresa, da área de sistemas automotivos, após pouco mais de sete anos de trabalho, a funcionária e a companhia fecharam um acordo, sem a presença do sindicato, no valor de R$ 110, 3 mil, além das verbas rescisórias. O propósito foi a extinção do contrato de trabalho. Na rescisão, esta homologada pelo sindicato, a indenização foi descrita como gratificação.
Após a medida, porém, a trabalhadora entrou na Justiça sob o argumento de ser dispensada sem justa causa, doente e ter estabilidade. Pediu a reintegração de emprego, condenação da companhia por danos morais e materiais, horas extras, intervalo intrajornada e manutenção do plano de saúde, entre outras verbas.
Segundo a advogada da empresa, Carolina Santos Cóstola, da Advocacia Castro Neves Dal Mas, a companhia fez o acordo para quitar as verbas trabalhistas porque a funcionária queria romper o contrato, mas não queria deixar de receber as verbas decorrentes da dispensa imotivada. “Em nenhum momento a empregada reclamou de qualquer vício de consentimento”, diz. Para Carolina, a decisão traz uma tendência, ainda que minoritária, de flexibilizar os direitos do trabalho.
Em primeira instância, a juíza entendeu que não existiu vício de consentimento no acordo extrajudicial. Contudo, como a cláusula 27.3 da Convenção Coletiva autorizava a rescisão do contrato de trabalho desde que com a assistência do sindicato, e a medida não teria sido cumprido pelas partes, não reconheceu a validade da transação.
A magistrada ainda entendeu que a empregada teria direito à estabilidade provisória e, por isso, à reintegração. Como houve a manifestação da trabalhadora em rescindir o contrato, a juíza converteu a estabilidade em indenização. Para evitar o enriquecimento ilícito, determinou a dedução dos valores já pagos no acordo extrajudicial.
Na segunda instância, porém, os desembargadores julgaram de forma diferente. De acordo com a relatora, desembargadora Olga Aida Joaquim Gomieri, a própria juíza de primeira instância entendeu que a empregada não teria interesse em retornar ao trabalho, não sendo comprovado qualquer vício no acordo extrajudicial.
“Ora, o acordo não pode ser aproveitado tão somente naquilo em que beneficia a reclamante. Não bastasse, no termo de rescisão, homologado pelo sindicato, consta o recebimento da aludida indenização, de modo que, por óbvio, o ente sindical atestou o recebimento da verba”, diz a relatora na decisão.
Segundo a magistrada, se o sindicato teria o condão de validar o acordo extrajudicial fechado entre as partes, “com muito mais razão o Poder Judiciário, especialmente diante da constatação de que a reclamante efetivamente recebeu a importância e não se insurgiu quanto às declarações da reclamada, em defesa.”
A magistrada deixou claro que a empregada não se manifestou sobre a existência do acordo durante o processo e não apontou eventuais diferenças devidas. Ao pagar o valor de R$ 110, 3 mil, a juíza concluiu que a empresa quis quitar verbas contratuais e rescisórias.
Especialista em direito do trabalho, a advogada Fernanda Nasciutti, do Barbosa, Müssnich, Aragão (BMA), afirma que a decisão é interessante ao admitir o acordo, ainda que não se trate de um alto executivo. Recentemente, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo julgou válido um acordo extrajudicial firmado pelo ex-presidente do banco americano J.P. Morgan no Brasil Cláudio Freitas Berquó.
A Justiça ainda o condenou a pagar R$ 9,2 milhões por litigância de má-fé por pedir verbas trabalhistas quitadas na transação extrajudicial.
A 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 2016, também manteve uma transação extrajudicial entre um ex-diretor e uma companhia. “Nesse caso julgado pelo TRT de Campinas os desembargadores consideraram que também não se trata de um empregado de chão de fábrica e que não houve vício de vontade. Em momento algum ela questionou a validade do acordo”, afirma Fernanda.
O advogado Túlio Massoni, sócio do escritório Romar, Massoni e Lobo Advogados, afirma que a decisão é inovadora ao dar ênfase à boa-fé do acordo negociado. “Não houve prova de vício de consentimento e isso foi suficiente para manter a transação”, diz. Para ele, a decisão segue uma tendência mundial de valorizar formas alternativas de solução de conflitos até mesmo para desafogar o Judiciário.