Texto preparado também fala em evitar repressão oficial ‘desnecessária’ por parte de outros órgãos de controle
O texto foi escrito pelo grupo de trabalho sobre o tema que assessora a 5ª Câmara do MPF, voltada ao combate à corrupção, e ficou pronto na sexta-feira, 22. Integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, como o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, fazem parte do grupo.
Os acordos de leniência têm sido cercados de dúvidas. Advogados e empresários se queixam de insegurança nas negociações uma vez que, depois de celebrado o acordo com o MPF, passam a ser alvo de ações administrativas por outros órgãos de controle.
O estudo do MPF frisa que as empresas que ajudaram a revelar crimes graves devem continuar com capacidade de operar – objetivo principal que as faz colaborar com as investigações e condição para que consigam arcar com as multas previstas no próprio acordo. Também fica estabelecido que os negociadores devem valorizar a utilidade e qualidade das informações prestadas, além do impacto que a mudança de atitude corporativa da empresa vai gerar no mercado.
Um dos principais pleitos de empresários desde que a Lava Jato lançou mão dos acordos é contemplado no estudo do MP: garantir que a empresa leniente não fique pior do que estava antes do acordo. Por isso, os procuradores apontam a necessidade de que o Estado “adote providências” para proteger a empresa colaboradora de um tratamento injusto ou decorrente de retaliações. Em boa parte dos casos, para fechar o acordo, a empresa revela ilícitos praticados com participação de políticos com cargo no Executivo e de executivos de outras companhias. É o caso da Odebrecht, por exemplo, que ao fechar acordos de delação premiada e leniência implicou ministros de Estado, parlamentares com mandato e outras empreiteiras.
Segundo o MPF, essa situação expõe a empresa a riscos que podem fragilizá-la “para além do esperado” e, se isso ocorrer, o estado deve considerá-la como “uma espécie de informante sensível, à qual cabe dar tratamento diferenciado”. Restrições de crédito, por exemplo, devem derivar de fatos anteriores ou posteriores à leniência e não em razão de a empresa ter assinado o acordo.
Conflito entre órgãos. O texto do MPF prevê também que o acordo firmado afeta outras sanções administrativas e civis por parte dos demais órgãos de controle e “obsta, inclusive sob a perspectiva lógica, a atuação repressiva oficial desnecessária e desproporcional, porque já atingidos os objetivos e reparações devidos, de interesse de outros entes de controle, contra a empresa colaboradora”.
As empresas travam uma batalha silenciosa para defender que os acordos firmados com o MPF sejam considerados válidos também no Executivo. Enquanto o governo não reconhece a leniência assinada pela força-tarefa, as empresas viram alvo de ações de improbidade. Desde o início da Lava Jato, a Advocacia-Geral da União entrou com ações de ressarcimento que, somadas, cobram cerca de R$ 40 milhões de empresas investigadas. A força-tarefa já fechou ao menos dez acordos de leniência.
O texto do MPF também restringe a atuação de outros órgãos na declaração de inidoneidade. Os procuradores estabelecem que a inidoneidade deve ser imposta à empresa que admite que cometeu ilícito, mas ficará suspensa enquanto os termos do acordo forem cumpridos. A previsão é importante porque esvazia medidas judiciais de outros órgãos que tentem aplicar a sanção à empresa leniente. A suspensão é uma forma de “estimular” a colaboração da empresa com o Estado.
Os procuradores avaliam que os demais órgãos não podem fechar acordos sem a participação do MPF, pois não possuem as informações de investigação criminal, de competência do órgão. Outros órgãos de controle já chegaram a pedir compartilhamento de informações dos acordos de leniência firmados pelo Ministério Público. Nesses casos, segundo a nota técnica, deve haver uma adesão aos termos do acordo. “O que, de um lado, assegura o acesso a informações, mantidos os sigilos cabíveis, e, de outro, garante o respeito aos benefícios legais concedidos ao colaborador, em toda sua amplitude.”
Previsões. Entre as diretrizes práticas do estudo, o MPF aponta que bens das empresas não podem ficar bloqueados depois de celebrado o acordo – o que deixaria a companhia na “mais perversa das situações”. Além disso, o texto prevê que o dano causado ao poder público em razão dos ilícitos deve ser cobrado, em primeiro lugar, dos outros agentes que não se tornaram lenientes e por último da empresa colaboradora.
O texto trata do destino dos valores recuperados e aponta que é “salutar” que o dinheiro retorne às vítimas das irregularidades – como a própria União. Mas o texto aponta que o valor da multa civil paga pelas empresas não pode ser enviada aos órgãos de controle, sem legislação específica sobre isso.
O MPF tentou estabelecer durante a Lava Jato que parte do dinheiro retornasse para as investigações, mas o ministro Teori Zavascki – então relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal – vetou. No texto do MPF deste mês, os procuradores apontam que essa questão merece “reflexão e aprofundamento” sob ponto de vista ético.