Na semana do Dia das Crianças, a Rede Peteca lançou o Mapa do Trabalho Infantil, o único raio-x sobre trabalho infantil no país
Em Minas Gerais e na Bahia são mais de três mil meninas entre cinco e nove anos trabalhando em regiões agrícolas em cada estado. Na Bahia, o número sobe para cerca de seis mil quando se faz o recorte para as crianças do gênero masculino; em Minas Gerais são 10.840 meninos.
No Brasil, a cada três crianças em situação de trabalho infantil, duas são do sexo masculino. Quando se olha para o trabalho doméstico, 94% são do sexo feminino.
Os dados são do Mapa do Trabalho Infantil, uma iniciativa Rede Peteca, parte da Associação Cidade Escola Aprendiz, com o Ministério Público do Trabalho (MPT). A ferramenta traz um quadro da situação de 2,7 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos que trabalham no Brasil. Interativo, o mapa traz números que podem ser recortados por faixa etária, gênero, localização e tipo de atividade, passando por agropecuária e trabalho infantil doméstico.
Segundo Felipe Tau, jornalista da associação e um dos responsáveis pela pesquisa, as informações foram retiradas do cruzamento entre a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015 e a pesquisa O Trabalho Infantil nos Principais Grupamentos de Atividades Econômicas do Brasil, realizada pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).
“A ideia de fazer um raio-x com todas as informações sobre trabalho infantil surgiu no começo do ano, porque nós vimos que esse mapa ainda não existia no Brasil.”
Dos adolescentes em situação de trabalho infantil, 406 mil trabalham com carteira assinada a partir dos 14 anos. “Mesmo que possamos retirar cerca de 15% (CLT) desse contingente, ainda sobra muita gente, cerca de 2,3 milhões”, afirma Tau.
Do texto da Reforma Trabalhista, antes de ser aprovado no Senado, foram retiradas as emendas que flexibilizavam a contratação de jovens aprendizes. “Nós, alguns deputados e do Ministério Público do trabalho fizemos um trabalho grande para não flexibilizar a lei, que permite a entrada do jovem no mercado de trabalho de um jeito protegido.”
Segundo a legislação, até 14 anos é expressamente proibido do trabalho. Entre 14 e 16 anos, somente na condição de aprendiz. Entre 16 e 18 anos, somente permissão parcial, sendo proibidas as “as atividades noturnas, insalubres, perigosas e penosas”.
Desigualdades regionais
Um dos dados que mais assusta Tau é a desigualdade regional em relação aos números. Enquanto o Ceará diminuiu em 77% do trabalho infantil entre 2004 e 2015, o Distrito Federal, detentor do maior PIB per capita do país em 2016, não apresentou mudanças.
Hoje, no Ceará, são cerca de 74 mil crianças trabalhando, numa população de quase 9 milhões de pessoas. Já no DF, são 18,5 mil em situação de trabalho infantil, numa região com 3 milhões de pessoas. “O que mais assusta também é a desigualdade regional ao ver que os estados não têm uma política eficiente para tratar a questão.”
Mesmo sem o detalhamento qualitativo de cada estado, Tau acredita que a discrepância entre os dados se dá por diferentes ênfases nas ações de fiscalização, promovidas tanto pelo Ministério do Trabalho quanto pelo Ministério Público do Trabalho, e de conscientização.
No Ceará, existe um projeto, por meio da Rede Peteca, que visa levar às escolas a discussão do trabalho infantil, “para que as crianças e os pais desde cedo se sensibilizem quanto ao debate”.
Creio que essas duas frentes explicam, em geral, porque alguns estados têm uma incidência de trabalho infantil bem menor do que em relação a outros”, explica Tau.
Zonas agrícolas e não agrícolas
Segundo o mapa, o Nordeste teve a maior redução entre 2004 e 2015, cerca de 59%, enquanto o Sudeste atingiu somente 38%. O que também muda de uma região para outra é do tipo de atividade. Enquanto na primeira, predominam os trabalhos relacionados à agropecuária, na segunda se concentram as atividades com maior grau de formalização, ou seja, comércio, serviços e indústrias.
Para Tau, essa diferença tem a ver com do grau de urbanização de cada localidade. “É maior a formalização no setor de serviços do que, por exemplo, no setor da agricultura, onde muitas vezes a criança está trabalhando com a família, numa pequena propriedade”, afirma.
“Às vezes isso até escapa da fiscalização, do agente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) ao fazer esse tipo de levantamento. É muito mais difícil detectar o trabalho infantil no campo.”
O combate à naturalização do trabalho infantil
Segundo Tau, a naturalização desse cenário é uma das maiores barreiras a ser enfrentada. “A grande luta é mostrar a face obscura do trabalho infantil que não é o neto trabalhando na ótica do avô ou na padaria do tio por uma ou meia hora, dentro de uma família estruturada. Quando falamos de trabalho infantil, estamos falando das mais de 20 mil crianças que morreram nos últimos dez anos em decorrência disso.”
“Estamos falando de acidentes, mortes, uma evasão escolar enorme relacionada a isso, consequências psicológicas do desenvolvimento e crescimento de toda uma geração que deveria estar na escola, entre outros abusos como aliciamento pelo tráfico e exposição maior a exploração sexual.”
Um estudo divulgado pela Fundação Abrinq e citado pelo mapa, o Caderno Legislativo da Criança e do Adolescente, mostra que apenas 1% dos projetos relacionados à infância e adolescência são finalizados no Congresso Nacional.
A Proposta de Emenda Constitucional 18/2011, do deputado Dilceu Sperafico (PP-PR), prevê a redução da idade de trabalho de 16 para 14 anos, hoje entre 16 e 18. Em sua justificativa, o deputado afirma que não há incompatibilidade entre a medida e a proteção ao adolescente.
A PEC recebeu do último parecer em outubro de 2016, quando a Comissão de Constituição e Justiça a considerou inconstitucional. “O risco de abrir brechas na legislação de aprendizagem já foi enfrentado na Reforma Trabalhista e deve ser permanentemente monitorado”, afirma Tau.
Ações intersetoriais
Para Tau, é difícil combater o trabalho infantil isoladamente. Já existem algumas políticas públicas nesse sentido, como o Plano de Erradicação do Trabalho Infantil e as ações do Ministério Público do Trabalho. “Mas ainda falta os gestores entenderem e desmistificarem o que é trabalho infantil”.
“Deve se combater a pobreza, a falta de assistência, a falta de oferta de creches. Só uma ação intersetorial e uma ação que elucide o que é o trabalho infantil podem dar conta da complexidade do problema. Especialmente no Brasil, um país tão desigual.”