Apuração do G1 e da associação dos juízes do trabalho mostra que houve um pico de processos na reta final da antiga lei, seguido de uma queda nas ações nos dias seguintes à nova regra.
A quantidade de novos processos na Justiça do Trabalho disparou no dia anterior à reforma que mudou vários pontos da lei trabalhista. A nova legislação entrou em vigor no dia 11 de novembro.
Apuração feita pelo G1 e pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) mostra que houve um pico de processos ajuizados na reta final da antiga lei, no dia 10 de novembro, uma sexta-feira.
Já nos dias seguintes à reforma, o movimento foi inverso: houve uma queda no número de processos, tanto em relação ao pico do dia 10 quanto em comparação à média da semana anterior.
Dos 27 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), o G1 monitorou o ingresso de ações trabalhistas em órgãos judiciais de 6 estados: Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco e Rio de Janeiro.
No Rio de Janeiro, as varas do trabalho receberam 10.740 processos na véspera da nova lei, contra 613 queixas nos três dias seguintes, somados, quando a reforma já estava em vigor
No Mato Grosso, advogados ajuizaram 1.398 ações trabalhistas na sexta-feira (10), contra apenas 41 processos nos três dias posteriores, com as mudanças já em vigência
Mudança na lei
O presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, avalia que boa parte dos advogados preferiu antecipar as ações na expectativa de aproveitar a lei anterior. “Havia um grande temor com relação a incertezas que a reforma poderia gerar nas regras processuais”, explica.
A nova legislação trouxe várias mudanças para o trabalhador que entra com uma ação na Justiça contra o empregador. Na prática, o processo pode ficar mais caro para o empregado e deve inibir pedidos sem procedência. Leia mais aqui.
Entre as mudanças, o trabalhador ou o empregador agora deverão pagar custas processuais caso faltem a audiências, bem como os honorários dos advogados da parte vencedora e as provas periciais se perderem a ação. As partes também ficam obrigadas a especificar os valores pedidos nas ações.
A Justiça do Trabalho não tem um único entendimento sobre a nova lei trabalhista. Não está claro, por exemplo, se a nova legislação vai valer também para os processos ingressados antes do dia 11 de novembro.
No Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15, em Campinas, SP), juízes já entenderam que a parte que ingressou com ação antes da reforma e perder não terá que pagar os custos do processo.
Na leitura do presidente da Anamatra, a tendência é que a nova lei não seja aplicada aos processos antigos. Antonio Carlos Aguiar, contudo, doutor em Direito do Trabalho e professor da Fundação Santo André, disse, em entrevista em vídeo concedida ao G1 na semana seguinte à mudança, que a nova lei deve atingir todos os processos em curso.
À espera de jurisprudência
Outra explicação para a enxurrada de ações no dia 10, véspera das mudanças, seria o fato de que muitos advogados estão esperando a formação de uma jurisprudência (decisões já consolidadas pelos juízes) ao longo dos próximos meses para apresentar suas ações com maior segurança.
“A nova lei ainda está envolta de muitas dúvidas e incoerências internas, que podem ser questionadas, e a medida provisória 808, que fez ajustes ao texto, resolveu muito pouco estas falhas”, aponta Feliciano, da Anamatra.
Nova CLT vale para todos os trabalhadores com carteira assinada, tanto para contratos vigentes como novos (Foto: Valdecir Galor/SMCS) Nova CLT vale para todos os trabalhadores com carteira assinada, tanto para contratos vigentes como novos (Foto: Valdecir Galor/SMCS)
Nova CLT vale para todos os trabalhadores com carteira assinada, tanto para contratos vigentes como novos (Foto: Valdecir Galor/SMCS)
Encargos são possível barreira a ações
Quanto à expectativa de que a reforma provoque uma queda no número de ações, o presidente da associação de juízes diz acreditar que os custos com honorários de advogados e peritos são uma possível barreira à abertura de novas ações por trabalhadores de renda mais baixa. Para ele, essa exigência contraria o acesso gratuito e integral à Justiça, previsto na Constituição.
A nova lei estabelece que quem perder a ação terá de pagar de 5% a 15% do valor da sentença para os advogados da parte vencedora, que são os chamados honorários de sucumbência. O valor que o trabalhador pedir será a base de cálculo do honorário cobrado dele caso perca a ação.
Como a mudança é recente, Feliciano afirma que é cedo para prever se a reforma vai gerar o efeito esperado de reduzir a quantidade de queixas na Justiça do Trabalho. “Só saberemos se de fato isso vai acontecer por volta de 2019”, calcula.
Na leitura do representante dos juízes, as incertezas presentes na nova lei podem estabilizar ou até mesmo ter um efeito contrário ao esperado, gerando um aumento no número de processos no país nos próximos anos.
“Por um lado, os encargos realmente desestimulam as ações, mas, por outro, as dúvidas e as próprias negociações coletivas que começaram a tratar de temas nunca antes discutidos vão gerar mais ações sobre matérias que não eram judicializadas”, diz.
Ações em dobro e pontos controversos
Exemplo disso seria a nova regra para o trabalhador exigir o pagamento de horas extras na Justiça. Pela lei antiga, ele podia estimar um valor devido, e a empresa podia contestar para que o juiz fizesse o cálculo da indenização.
Agora, é preciso apresentar provas de que as horas foram trabalhadas, mas, como em muitos locais de trabalho não há cartão de ponto, advogados estão ingressando com ações cautelares (antecipação de provas) para entrar mais tarde com outra reclamação trabalhista, o que duplicaria o número de ações nesses casos, de acordo com a Anamatra.
Outro ponto que pode gerar questionamentos na Justiça, na visão de Feliciano, é o chamado termo de quitação, no qual o trabalhador assina um documento atestando que nada mais lhe é devido por parte do empregador. “Esse termo pode gerar muita polêmica, especialmente se o trabalhador descobrir que desenvolveu uma doença durante o trabalho e pedir indenização.”