Ao ver a milionária campanha que o governo faz na televisão para nos convencer de que o principal objetivo da Reforma da Previdência é acabar com os privilégios, uma verdadeira ode à hipocrisia e ao cinismo, cabe perguntar: privilégios de quem?
Por Ricardo Kotscho
Podemos começar pela trinca que comanda o Palácio do Planalto: Temer, Padilha e Moreira Franco.
Em defesa da reforma do governo apoiada pela mídia, os três batem na tecla de que quem é contra é a favor da manutenção dos privilégios.
Eles sabem do que estão falando:
- Temer aposentou-se aos 58 anos, com apenas 28 de contribuição, como procurador do Estado de São Paulo, com remuneração de R$ 45 mil mensais.
- Padilha aposentou-se aos 52 anos por tempo de contribuição pelo INSS com R$ 2.700 mil ( o mesmo que recebo após 53 anos de trabalho e contribuição) e ganha mais R$ 19,3 mil do Instituto de Previdência dos Deputados, fora o salário de ministro.
- Moreira Franco ganha aposentadoria vitalicia de R$19,6 mil desde 1991, quando tinha 57 anos, após trabalhar quatro como governador, fora o salário de ministro.
Reportagem de Hylda Cavalcanti publicada nesta terça-feira na Rede Brasil Atual mostra com números que a reforma do governo vai fazer exatamente o contrário do que propaga, ou seja, manter os privilégios da casta do funcionalismo público civil e militar e prejudicar os aposentados do INSS.
Militares ficaram fora das novas regras previdenciárias e civis vão continuar ganhando o que ganhavam antes porque são “direitos adquiridos”.
Dados do IBGE de 2016 mostram que o benefício médio pago pelo INSS é de R$ 1.862, enquanto um aposentado do Congresso ganha, em média, R$ 28,5 mil e no Judiciário R$ 25.832.
Estudo do Conselho Nacional de Justiça mostra que o gasto médio do governo com cada julgador (juízes, magistrados e ministros) é de R$ 47,7 mil por mês, fora outros benefícios, que muitas vezes elevam esta conta a R$ 100 mil.
E nada disso vai mudar.
Para aprovar a reforma ainda este ano, o presidente Michel Temer escalou três ministros, inclusive o da Saúde, para dar um jeito de “abrir espaço” de R$ 3,6 bilhões a serem negociados com a base aliada da Câmara para a compra dos votos que faltam.
No mesmo dia, ficamos sabendo que estudo da Confederação Nacional dos Municípios vai apresentar ao TCU e ao MEC uma lista com 476 creches inacabadas e 441 com obras paralisadas no país.
O dinheiro que falta para estas creches fica no mesmo Tesouro que vai abrir seus cofres para os deputados em ano eleitoral em emendas que serão pagas no início de 2018, por acaso um ano eleitoral.
O crescente abismo entre a farra do Estado e a penúria da sociedade é o tema do artigo publicado por Joel Pinheiro da Fonseca na Folha, que destaca: “O Estado não apenas transfere renda para a elite; ele cria e perpetua uma elite”.
Fonseca lembra que o o Estado brasileiro dedica ao funcionalismo público uma porcentagem de PIB maior do que a da França, um pobre país europeu, como sabemos.
E mais: seis das dez profissões mais bem pagas do Brasil estão no funcionalismo. Na chamada “alta classe alta”, é maior a proporção de funcionários públicos federais do que de empresários, segundo estudo do Instituto Mercado Popular.
Junto ao artigo de Pinheiro da Fonseca somos brindados com uma foto da sempre sorridente presidente do STF, Carmen Lúcia, recebendo a comenda da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho das mãos do ministro Ives Gandra.
A casta estatal se protege e se homenageia amiúde, mas Carmen Lúcia continua esperando que os órgãos do Judiciário lhe mandem a lista com os vencimentos e benefícios recebidos por seus altos funcionários. Faz tempo que ela prometeu divulgar esta lista para sabermos quantos ganham acima do teto constitucional.
Na mesma página, ficamos sabendo também que Luislinda Valois, do PSDB, aquela ministra que reclamou do salário de trabalho escravo, solicitou em outubro ao presidente Michel Temer o pagamento de ressarcimentos de mais de R$ 300 mil.
Por esta pequena amostra do noticiário podemos ter uma ideia da distância existente entre a propaganda oficial contra os privilégios e a realidade de um país que tem quase mil creches inacabadas esperando por verbas para abrir suas portas. Quem se preocupa com isso?
E vida que segue.