Lucas Marchesini | De Brasília
Os beneficiários do Bolsa Família representam mais de um terço da população de 11 Estados brasileiros, todos das regiões Norte e Nordeste. No Brasil, 21% da população vive com os benefícios do programa.
Os dados fazem parte de levantamento feito pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) a pedido do Valor e evidenciam a importância dos recursos para a população daquelas regiões. O Maranhão é o Estado com a maior relação entre a população e quem vive dos valores do Bolsa Família. De acordo com o ministério, 48% da população do Estado recebe os recursos. Piauí e Acre vêm a seguir, ambos com 41%.
O cálculo chega ao número de beneficiários a partir do tamanho das famílias inscritas no programa. Em seguida, o ministério calcula quanto isso representa na população do município a partir das estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados são referentes a dezembro de 2017. Por serem baseados em estimativa do IBGE, o percentual pode diferir da realidade já que o último Censo foi realizado em 2010.
Para fazer parte do programa, é necessário ter a renda mensal por pessoa da família de até R$ 185. O Bolsa família repassa entre R$ 39 e R$ 372 para os inscritos no programa, a depender do número de filhos do beneficiário. Os valores repassados, apesar de pequenos, acabam significando parte importante da economia dos municípios mais pobres do Brasil. Os valores repassados pelo programa representam mais de 6% do PIB local para 579 municípios.
Aninho Irachande, professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), analisou os dados a pedido da reportagem. “O impacto na vida das cidades é muito grande, quanto mais beneficiários, mais dinamizada é a economia do lugar”, disse. Na avaliação dele, os benefícios do programa vão além da pessoa ou família beneficiada.
“Cada R$ 1 real produz R$ 1,6 em circulação da economia”, afirma Irachande. Segundo o professor, “é um tiro no pé imaginar que o beneficiário é quem mais ganha com o Bolsa Família”.
Para o secretário-executivo do MDS, Alberto Beltrame, “o programa gera um círculo virtuoso de desenvolvimento na economia local”, porque ” estimula a economia, melhora a renda e os indicadores sociais como um todo”. Os dados do ministério indicam uma taxa de crescimento maior no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para as cidades com mais inscritos no Bolsa Família em relação ao total.
Entre 2000 e 2010, a taxa média de crescimento no IDH municipal das cidades brasileiras foi de 26%. Nas cidades onde os beneficiários representam menos de metade da população local, o número foi de 22%. Nos municípios em que os beneficiários são mais da metade, a taxa é de 43%, Dentre as cidades onde mais de dois terços vivem do programa, a taxa atinge 58%.
Alguns municípios servem de exemplo para o impacto do Bolsa Família na economia local. Em São Raimundo do Doca Bezerra (MA), a 379 quilômetros de São Luís, por exemplo, 99,98% da população de 4,946 mil habitantes é beneficiária do programa, segundo números do ministério.
O cálculo leva em conta dados do Cadastro Único e a estimativa de população do IBGE. Dados oficiais reforçam a validade desse número. Não há quem receba o benefício de Prestação Continuada (BPC) na cidade, por exemplo. Não é possível acumular o BPC e o Bolsa Família.
“É através desse benefício que as famílias têm o pão na mesa”, disse ao Valor o gestor do Bolsa Família na cidade maranhense, Aldeman Dias. Segundo o gestor, “o Maranhão tem poucos recursos naturais e nossa cidade está situada centro do Estado, onde a pobreza prevalece”. Dias conta que o Bolsa Família é “praticamente o único recurso que entra na nossa cidade, além da prefeitura. Sem esse benefício, o comércio da cidade cai totalmente, afirmou.
Antonio Basilio, dono do mercado Comercial Basilio, em São Raimundo do Doca Bezerra, faz a mesma ponderação. “A renda aqui só o Bolsa Família. Difícil ter algum comércio sem ele.”
Quando o critério é a participação dos recursos que chegam pelo programa no Produto Interno Bruto (PIB), as dez primeiras colocadas estão no Estado do Maranhão. Em Cajari, a 225 quilômetros de São Luís, a relação chega a 13,8%.
Irachande ressalta também que a importância econômica que os recursos têm para as pequenas cidades mais pobres do país acaba provocando fraudes. “A maior parte dos recursos vai para consumo de produtos básicos de higiene e alimentação”, explicou o professor.
Esses produtos, por sua vez, são comprados em pequenos mercados e mercearias que, nessas localidades, costumam pertencer a autoridades locais, que têm interesse em ter o máximo possível de pessoas registradas no programa, mesmo que não atendam a todos os requisitos.
Para combater fraudes no programa, o Ministério do Desenvolvimento Social começou a partir de 2016 a realizar uma variedade de cruzamentos em bancos de dados públicos. Antes, ele era feito apenas uma vez por ano com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que agrupa dados do mercado de trabalho brasileiro por ano.
Agora, são dez bases de dados, o que permitiu que a fila de espera fosse zerada a partir da retirada do programa de beneficiários que não atendiam mais ao requisito de renda. “Com isso, cancelamos 4,7 milhões de beneficiários com renda superior a R$ 170 per capita. O pente-fino promove justiça social. No mesmo período, 4,2 milhões entraram”, disse Beltrame.