Sérgio Lamucci
Com a forte piora da situação fiscal do país, especialmente a partir de 2014, uma fatia expressiva e crescente da poupança financeira passou a ser drenada para financiar o desequilíbrio das contas públicas. No fim do ano passado, 72,2% de todos recursos captados pelo sistema bancário financiavam o setor público, na forma de títulos públicos, operações compromissadas ou empréstimos, segundo estudo do Centro de Mercado de Capitais (Cemec) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
Esse movimento ocorre “em detrimento do setor privado”, como destaca o economista Carlos Antônio Rocca, diretor do Cemec. Nesse cenário, sobra menos de 28% do dinheiro levantado pelas instituições bancárias para serem destinadas bancárias para serem destinados a empresas e famílias.
Rocca ressalta a evolução de outros indicadores que evidenciam como o setor público abocanha uma fatia significativa da poupança financeira no país. Em 2014, por exemplo, os títulos públicos representavam 37% da carteira dos investidores institucionais (fundos de investimento, fundos de pensão, planos de previdência aberta e seguradoras), a menor fatia desde 2007; em 2017, esse número atingiu 52%.
A dívida pública bruta em relação ao PIB subiu de pouco menos de 51% do PIB em 2013 para mais de 73% do PIB no fim de 2017, aponta o estudo. No mesmo período, o endividamento de empresas e famílias passou de 60% para 56,3% do PIB, tendo atingido 64,5% do PIB em 2015. Com isso, a participação do setor público aumentou entre 2013 e 2017 de 47% para 57% do endividamento total (a soma da dívida pública com a privada).
“Esses números mostram a intensidade do chamado ‘crowding out’ do setor privado”, diz Rocca, referindo-se ao fenômeno pelo qual o setor público toma espaço de empresas e famílias, absorvendo uma grande parcela da poupança da economia.
Há, desse modo, uma forte restrição do fluxo de recursos para o financiamento do setor privado. Rocca observa que as empresas têm enfrentado dificuldades decorrentes de níveis excessivos de endividamento. Nesse ambiente, ela procuram diminuir as dívidas, um processo mais lento no caso de companhias pequenas e médias, de acordo com ele.
O estudo do Cemec enfatiza ainda a evolução da poupança doméstica bruta nos últimos anos. Pelo resultado das contas nacionais, essa taxa teve uma pequena alta de 2016 para 2017, aumentando de 13,9% para 14,8% do PIB. No entanto, ainda é bastante inferior à média de 2010 a 2013, de 18,2% do PIB.
A deterioração das contas públicas nos últimos anos teve efeito dramático sobre a poupança, enfatiza Rocca. A queda da taxa se deveu integralmente à piora da situação do setor público. Em 2012, União, Estados e municípios poupavam o equivalente a 0,57% do PIB; em 2017, esse número ficou negativo em 7% do PIB,
Rocca observa que o desempenho da taxa de poupança do setor privado é ainda melhor quando se calcula a taxa como proporção do PIB depois do pagamento de impostos. Por esse critério, a poupança do setor privado se eleva para 32,5% do PIB em 2017, o maior nível desde 2000 e superior à média de 28,1% do PIB do período de 2000 a 2015.
“O problema da poupança no Brasil está relacionado ao setor público”, diz Rocca. Segundo ele, o estudo não corrobora a ideia de que o setor privado brasileiro não poupa. “O nível de poupança do setor privado não é asiático, mas é considerável.”
Para Rocca, a melhora recente na situação do setor privado está “aparentemente associada” ao esforço de redução do endividamento de empresas e famílias na crise. Na recessão, consumidores tendem a ficar mais cautelosos, num quadro de desemprego elevado, e muitas companhias alteram a política de distribuição de dividendos, aumentando a parcela de lucros retidos.
Para aumentar a taxa de poupança brasileira, é fundamental resolver o desequilíbrio das contas públicas, ressalta o economista. Países que poupam pouco têm dificuldade para financiar o investimento, o que afeta as perspectivas de expansão da economia a taxas mais elevadas.
“É preciso aumentar o investimento para o país crescer”, diz Rocca, ressaltando a “elevada correlação” entre as taxas de variação do PIB e da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação). De 2004 para cá, ela chega a 0,97. No estudo, Rocca observa que em 2017 a taxa de investimento (incluindo a variação de estoques) ficou em 15,5% do PIB, quase idêntica aos 15,4% do PIB de 2016 e muito abaixo da média de 21,7% do PIB registrada entre 2010 e 2013. “Certamente essa forte queda é o principal fator que explica a intensidade da recessão.