Lentidão na retomada da economia faz fila pelo socorro aumentar 30% de janeiro a abril
A frustração com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) já começa a afetar as empresas que apostavam numa retomada mais firme para reequilibrar seus negócios. Resultado: o número de pedidos de recuperação judicial, que tinha recuado em 2017, voltou a subir no país. Entre janeiro e abril, eles totalizaram 518, alta de 30% na comparação com igual período do ano passado. Com a greve dos caminhoneiros, em maio, e as oscilações bruscas do câmbio, na última semana, o caixa de muitas empresas foi ainda mais comprometido.
Na avaliação de Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian, esse crescimento ocorre porque as empresas, vendo que o aumento das receitas não ocorre como o esperado, pedem proteção legal para continuar operando sem ter nenhuma dívida executada.
As empresas que estão em situação de dificuldade esperaram uma melhora que não veio, então, pedem uma boia de salvação. O aumento nas recuperações reflete a frustração com o crescimento da economia — avaliou, acrescentando que não acredita que será possível reverter essa tendência de piora ainda este ano.
No início de 2018, as projeções indicavam um crescimento da atividade próximo de 3%. No entanto, a recuperação que começou no ano passado estagnou, e os dados da atividade econômica no primeiro trimestre foram frustrantes, reduzindo as previsões do PIB para até 1,2%, expectativa do JP Morgan Chase. Hoje, o teto é 2%. Além disso, a forte valorização do dólar torna mais sensíveis as empresas que possuem dívida em moeda estrangeira ou dependem de insumos importados.
PROCESSOS EXTRAPOLAM PRAZO
O crescimento dos pedidos de recuperação judicial neste ano atinge todos os segmentos de empresas. Entre as grandes, um dos casos mais recentes foi o da concessionária que administra o aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP). Na avaliação da Serasa, que faz a consolidação desses números, 2018 será pior que 2017, mas não tão ruim quando 2016, recorde em número de pedidos da boia de salvação, com 1.863 casos.
Ao pedir recuperação judicial, essas empresas impedem a execução das dívidas, sejam elas com bancos ou fornecedores. No entanto, a dificuldade de negociação com credores impossibilita saídas rápidas, o que faz com que o plano de recuperação leve mais do que os 180 dias estipulados em lei para ser aprovado. Segundo consultores e advogados que dão assessoria nesses processos, os principais entraves são os elevados deságios sobre a dívida propostos pelas empresas, o que não agrada aos credores, e, muitas vezes, a falta de garantias.
Gustavo Dezouzart, sócio do escritório Costa Tavares Paes Advogados, lembra ainda que a característica de algumas empresas dificulta o andamento do processo. Ele é advogado de um dos credores da construtora OAS, dona de uma dívida de mais de R$ 11 bilhões. O processo demorou mais que o esperado porque a empresa transferiu a participação de uma de suas concessões, a Invepar, para um grupo de credores. Por se tratar de uma concessão pública, foi preciso esperar a aprovação de todas as agências reguladoras.
— O processo, nesses casos, fica mais lento por questões de regulação e características dos ativos envolvidos. Como se trata de uma concessão, você precisa das autorizações. Em uma recuperação judicial, o mais difícil é encontrar um meio termo que agrade a todos os credores. A empresa quer reduzir as perdas, e o credor, maximizar garantias — comentou Dezouzart.
A dificuldade em chegar a esse equilíbrio faz com que os prazos sejam extrapolados. A Abengoa, com dívida de quase R$ 1 bilhão, deveria estar com seu plano aprovado no fim de março, o que não aconteceu. A Aço Cearense, com dívida de R$ 1,8 bilhão, viu o prazo vencer no final do ano passado. Mesmo quando os montantes envolvidos são maiores, a dificuldade em se chegar a um acordo é grande, como é o caso da Sete Brasil, em que o valor da dívida chega a R$ 20 bilhões.
— Os prazos acabam sendo muito maiores do que os estabelecidos em lei. Uma recuperação judicial deveria durar dois anos, mas, muitas vezes, nem o prazo de seis meses para aprovação do plano de recuperação é cumprido. O deságio é sempre o ponto mais difícil de negociar — disse Eduardo Sampaio, sócio da consultoria Alvarez & Marsal.
Outra questão sensível é o acesso ao crédito. Assim que dá entrada na Justiça, a empresa fica sem acesso a dinheiro novo, tendo de depender só da geração de caixa. Com o plano aprovado, começa a contar com prazo junto a fornecedores. No entanto, crédito bancário é praticamente impossível.
— A empresa fica sem crédito nenhum. Quando aparece algo, por meio de fundos especializados em companhias nessa situação, o juro é muito alto. É uma luta para a empresa sobreviver nessa fase inicial e mostrar aos credores que tem condições de seguir operando e se recuperar. Só pode contar com o caixa — afirmou Victor Guimarães, sócio da Leme Partners e que cuidou da recuperação da Life Imagem, empresa de diagnósticos do Rio.
GOVERNO ESTUDA MUDAR LEI
Para dar maior agilidade a esse processo e garantir que as empresas possam se recuperar efetivamente, o governo estuda algumas alterações na Lei de Recuperação, que é de 2005. Atualmente, apenas 25% das empresas em recuperação judicial conseguem se salvar de fato. Um dos pontos da proposta é deixar mais claro na lei a prioridade aos pagamentos de credores que concedem novos créditos à empresa durante a recuperação, incluindo não só os bancos, mas fornecedores.
Thomas Felsberg, sócio da Felsberg Advogados, que participou das comissões para a redação de um novo texto da lei, afirmou que há pontos positivos no texto, que já foi encaminhado para o Congresso. Entre eles, cita parâmetros para a insolvência de empresas que tenham operações também em outros países e a preferência a credores que não cessam as operações com empresas que entram na situação de recuperação judicial. No entanto, vê com preocupação o ponto que permite que a Receita Federal seja mais atuante na cobrança de impostos sobre as empresas. Tributos não entram na recuperação judicial.
— Quanto mais rígido, mais difícil a recuperação da empresa. Não resolve o problema. Mas, se está ruim do jeito que está, pior se não for alterado — alertou Felsberg.