A Pnad e a competitividade

Por Armando Castelar Pinheiro

A divulgação da Pnad 2011, há duas semanas, deve trazer uma reinterpretação das perspectivas de crescimento e dos determinantes da competitividade brasileira.

Os dados que me impressionaram mais dizem respeito ao mercado de trabalho. Eles mostram que a taxa de desocupação em 2011 não estava na mínima histórica, como sugeriam os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME). Segundo a PME, essa taxa bateu em 2011 em 6,0%, contra 12,3% em 2003. De acordo com os dados da Pnad, considerando o país como um todo, a menor taxa de desemprego nas duas últimas décadas foi atingida em 1995, quando chegou a 6,1%, sendo que em 2011 ela ainda estava um pouco acima disso, em 6,8%. A julgar por esse resultado, portanto, a queda adicional do desemprego este ano, se o resultado da PME for confirmado em nível nacional, ainda nos deixará em mares já navegados.

Os dados da Pnad confirmam que o pico recente da taxa de desemprego se deu de fato em 2003, quando essa atingiu 9,7%, caindo nos anos seguintes até chegar aos já citados 6,8% em 2011. Ao contrário do que se poderia esperar, todavia, essa queda não se deu por conta de um aumento da taxa de ocupação (proporção da população em idade ativa que está ocupada), mas da redução da taxa de atividade (proporção da população em idade ativa que está ocupada ou procurando ocupação). Assim, enquanto a primeira chegou em 2011 em 55,9%, o mesmo patamar de 2003 (55,4%), a segunda caiu no mesmo período de 61,4% para 59,9%.

Isso significa, em outras palavras, que a taxa de desemprego não caiu por que uma maior proporção de pessoas encontrou ocupação, mas por que um grande número de pessoas abandonou a população economicamente ativa, ou nela deixou de entrar. Parte dessa queda foi por boa causa: uma proporção menor de jovens de 10 a 17 anos passou a participar do mercado de trabalho, dando continuidade a um processo iniciado na década de 1990 e que foi até mais intenso no governo FHC, fruto do aumento da frequência escolar, por conta, entre outras coisas, do programa Bolsa Escola. Assim, a taxa de ocupação entre jovens (10 a 17 anos) diminuiu de 18,2% em 2003 para 12,4% em 2011.

Uma outra parte se deve à queda da taxa de atividade no grupo etário de 60 anos ou mais, em que os programas públicos de transferência de renda possivelmente desempenharam um papel relevante. Para esse grupo, a taxa de ocupação foi de 30,4% para 26,7% entre 2003 e 2011.

A contrapartida à queda na taxa de atividade foi uma expansão do emprego inferior à que se estimava antes. Assim, entre 2003 e 2011 a população ocupada aumentou 1,7% ao ano, basicamente a mesma taxa observada entre 1995 e 2003. A PME indicava uma alta mais forte, de 2,4% ao ano entre 2003 e 2011. Essa diferença foi especialmente marcante entre 2009 e 2011, período para o qual a PME apontava aumento médio anual de 2,6% e a PNAD de apenas 0,4%.

Se o emprego cresceu menos do que se imaginava, então a alta na produtividade do trabalho foi maior. Entre 2003 e 2011 ela cresceu 2,3% ao ano, em média, cerca de meio ponto percentual a mais do que antes estimado. Esse ritmo é bem superior ao registrado entre 1995 e 2002, quando ela aumentou modestos 0,3% ao ano em média.

Assim, a boa notícia é que o Brasil conseguiu crescer a produtividade do trabalho mais rápido do que se imaginava. A má notícia é que esse ritmo ainda está abaixo do necessário para que o país possa atingir a taxa de expansão anual do PIB que se almeja, na faixa de 4,0% a 4,5%. Considerando que a população em idade ativa deve crescer menos de 1% ao ano na próxima década, para se atingir essa meta seria preciso a produtividade crescer pelo menos um ponto percentual a mais ao ano.

Mesmo com essa alta maior da produtividade, a década passada continuou a ser marcada por um aumento significativo do custo unitário do trabalho (CUT). Medido em euros correntes, esse custo subiu 51% entre 1999 e 2008, mais do que em países que hoje sofrem uma grave crise de competitividade, como Portugal, Espanha e Irlanda. Na Alemanha, esse custo aumentou 1% no mesmo período. De 2008 para 2011, esses países realizaram ajustes importantes, com o CUT caindo na Espanha e na Irlanda e subindo apenas 1% em Portugal. No Brasil, aumentou 41%.

O ritmo de alta na produtividade do trabalho observado em 2003-11 vai ser insuficiente para reduzir o custo unitário do trabalho e recuperar a competitividade na indústria. Isso por que a alta média no rendimento real tem sido ainda maior: de 2003 a 2011, esse cresceu em média 3,2% ao ano. Conforme cai a taxa de desemprego, essa alta deve se acelerar.

Para recuperar a competitividade vai ser necessário desvalorizar o real. A desvalorização de 18,4% da taxa de câmbio efetiva real entre os primeiros oito meses de 2011 e o mesmo período de 2012 vai nessa direção, mas ainda é insuficiente. Além disso, pode ser revertida em 2013, se aumentarem as pressões inflacionárias. É fundamental, portanto, elevar mais rápido a produtividade.

Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.