O Globo
Volume de material despejado é duas vezes e meia superior ao segundo maior
A tragédia de Mariana é o maior acidente da História em volume de material despejado por barragens de rejeitos de mineração. Os 62 milhões de metros cúbicos de lama que vazaram dos depósitos da Samarco no dia 5 representam uma quantidade duas vezes e meia maior que o segundo pior acidente do gênero, ocorrido em 4 de agosto de 2014 na mina canadense de Mount Polley, na Colúmbia Britânica, diz o pesquisador Marcos Freitas, coordenador executivo do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig), ligado à Coppe/UFRJ.
Freitas é um dos que participam da criação do Grupo de Recomposição da Bacia do Rio Doce, iniciativa acadêmica. Como outros especialistas, ele conta em anos, possivelmente décadas, o tempo de recuperação da bacia, onde vivem cerca de três milhões de pessoas. E na casa dos bilhões de reais os custos de recuperação de estruturas urbanas e ecossistemas destruídos.
— Não podemos estimar agora o tempo e o dinheiro que custará a recuperação. Vai depender de cada área e será caro. A região existente no raio de uns 30 quilômetros da área das barragens, por exemplo, pode estar perdida. Está coberta por camada espessa de lama. A recuperação será tão cara que pode se mostrar inviável financeiramente. Quando a lama secar, vai se tornar terra endurecida, um chão de ferro, uma terra de ninguém — alerta o pesquisador, que é membro do IPCC e já dirigiu a Agência Nacional de Águas.
Ele não crê que a recuperação da extensa área afetada, de Minas ao Espírito Santo, leve menos do que dez anos. Até porque alguns dos efeitos da destruição e da poluição colossal de uma região de mais de 700 quilômetros de comprimento só poderão ser percebidos após anos. Desastres ambientais têm vida longa. É o caso do que aconteceu no Exxon Valdez. O navio vazou óleo para uma das regiões mais intocadas do Alasca há 26 anos. Mas até hoje pescados nobres, como arenque e caranguejo gigante, não voltaram às redes dos pescadores. O Exxon Valdez virou Oriental Nicety e já foi até desmantelado, ano passado, na Índia. Mas o Alasca ainda sofre.
— Embora tenham naturezas diferentes, esses acidentes nos mostram como é caro e complexo recuperar um desastre ambiental. E como são eventos de longo prazo. Tragédias de vida longa. Para se ter uma ideia, a petroleira BP criou um fundo de US$ 20 bilhões para custear a recuperação do Golfo do México, poluído pelo vazamento da plataforma Deepwater Horizon, em 2005, o pior vazamento de óleo no mar — explica Alessandra Magrini, professora do Programa de Planejamento Energético e Ambiental da Coppe e especialista em análise de risco.
Desastres como o da Samarco, diz Alessandra, são amplos no tempo e espaço. E exigem planejamento criterioso e urgente.
— E ainda não há nada de concreto em andamento. Vemos medidas emergenciais. Mas enfrentamos um problema que exige uma ação rápida de planejamento. Já vimos esse filme antes, mas, desta vez, ele é maior e mais dramático — destaca.
O biólogo e geógrafo Rodrigo Medeiros, vice-presidente da Conservação Internacional, ONG que desenvolve projetos sobre preservação da biodiversidade e seu impacto social, diz que a tragédia de Mariana é uma doença simultaneamente aguda e crônica:
— À medida que passa, a lama mata imediatamente de pessoas a plantas e animais. E, ao se depositar nas margens e no leito do Rio Doce, ela se torna um mal crônico, que continua a impactar o ambiente.
Segundo ele, florestas centenárias às margens do Doce, já dizimadas pelo desmate, sofrerão perdas, já que a lama, ao secar e se compactar, asfixia a vegetação.
— Ecossistemas já castigados e muito frágeis vão sofrer ainda mais. O Rio Doce já sofria. Agora está à morte. Temos que aproveitar este momento para recuperar não apenas a área destruída, mas revitalizar a bacia — observa Medeiros.
A lama que engoliu Bento Rodrigues permanecerá por muito tempo a chocar quem a vê. Mas Moacyr Duarte, pesquisador sênior do Grupo de Análise de Risco Tecnológico e Ambiental (Garta) da Coppe/UFRJ, preocupa-se também com o chamado risco invisível.
Aquele causado pelo acúmulo do silt — mistura de ferro, terra e água —, arrastado da mineradora para o leito do Doce e suas margens.
— Ele pode cobrir áreas imensas, desorganizar o fundo do rio, mexer com variáveis ambientais, desequilibrar ecossistemas. Ao longo de anos, silenciosamente, fora do alcance dos olhos. Ele altera o fluxo do rio, sua dinâmica — diz.
Uma das consequências mais evidentes da mudança de curso do Rio Doce e do acúmulo de sedimentos será a mudança no padrão de inundação.
— Com a estação chuvosa, que vai até abril, poderemos ter enxurradas em outras áreas na bacia do Rio Doce. Isso precisa ser rapidamente mapeado. Serão precisos pelo menos 40 dias para que as pessoas se organizem. Municípios como Governador Valadares são particularmente suscetíveis — salienta Marcos Freitas.
Ele destaca risco de desabastecimento não só para a população na bacia do Rio Doce, mas também para a agricultura e as indústrias siderúrgica e metalúrgica, dependentes tanto do minério de ferro quanto da água que este poluiu.
— É difícil dizer agora por quanto tempo o abastecimento de água será afetado. O volume de sedimentos no rio cresceu de modo tão dramático que nem cálculos ou soluções são simples — diz Freitas.
De certo a respeito do impacto sobre a fauna, só o fato de que é grande, diz o biólogo Ricardo Freitas Filho, do Instituto Jacaré de Conservação e Manejo da Fauna Silvestre. Ele e sua equipe chegam no início de dezembro no Parque Estadual do Rio Doce (MG), justamente para avaliar os prejuízos a um dos animais mais importantes do parque. Por estar no topo da cadeia alimentar, o jacaré é um bom indicador da saúde do ecossistema.
— O jacaré depende de peixes e outros animais. E é muito vulnerável. Esse parque é um santuário. Queremos ver, após um mês do desastre, como a fauna vai responder à lama da mineração. Se a lama chegar a afetá-lo, será ainda pior do que o imaginado —