Valor Econômico
O Ministério do Trabalho e Emprego catalogou neste ano, até o dia 1º deste mês, 111 acordos de redução de jornada com diminuição proporcional de salários fora do Programa de Proteção ao Emprego (PPE). Segundo levantamento feito pela plataforma salarios.org.br a pedido do Valor, a grande maioria das negociações, 71, foi conduzida por empresas do setor metalúrgico. Mais da metade foi registrada depois da primeira semana de julho, data de lançamento do programa.
Formulado para estancar o volume crescente de demissões que vêm sendo contabilizadas em 2015, o PPE contava até o início deste mês 12 participantes e 16 acordos, conforme o ministério, e outros 17 em fase de avaliação. Financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), ele garante até metade do que seria cortado da remuneração dos trabalhadores afetados pela semana de trabalho mais curta. Empresas e sindicatos que optaram pela negociação sem a verba complementar oferecida pelo governo queixam-se de falta de informação e de dificuldade para se enquadrar nos critérios de seleção.
“É quase impossível uma empresa às margens da falência cumprir os pré-requisitos”, afirma Josinaldo de Barros, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos. A entidade fechou cinco acordos neste semestre, todos fora do PPE.
Atualmente só participam do programa aqueles que, entre outros critérios, não têm pendências no recolhimento de impostos e contribuições trabalhistas. Em Guarulhos, diz o sindicalista, é difícil encontrar médias e pequenas empresas em dificuldade financeira que não tenham atrasado, por exemplo, o pagamento de FGTS. Cerca de 70% da base da entidade, com 56 mil trabalhadores, está empregada em pequenas companhias, com até cem funcionários – aquelas, segundo ele, que têm menos proteção contra a recessão pela qual passa a indústria desde 2014.
Mesmo sem adesão ao PPE, os acordos assinados neste ano na região acabaram incorporando alguns parâmetros do programa, conta o sindicalista, como o período de estabilidade equivalente à metade da vigência do acordo – se a redução de jornada dura 90 dias, por exemplo, os funcionários têm outros 45 de emprego garantido.
O sindicato estipulou ainda que a retração dos salários não deve passar de 15%, o limite prático do PPE – a jornada de trabalho pode ser encurtada em até 30%, mas o subsídio custeado pelo FAT garante que a remuneração dos trabalhadores não caia mais do que 15% no período.
A lei que prevê a redução da jornada semanal para empresas em dificuldade financeira, a 4.923, é antiga, de 1965. Ela estabelece que os acordos sejam feitos por meio das entidades sindicais, com prazo máximo de três meses de vigência, prorrogáveis, e redução salarial de até 25%. Já o PPE pode se estender por até 12 meses, com corte de até 30% na jornada e subsídio de até 50% do corte salarial pelo governo.
O diretor de uma metalúrgica no interior de Santa Catarina, que pediu para não se identificar, diz que preferiu costurar o acordo pelo sistema tradicional porque passar pelo processo de aprovação do programa tomaria tempo de que a empresa não dispõe. Hoje, nem o sindicato patronal nem o trabalhista conseguem esclarecer todas as dúvidas em relação às regras do PPE, diz. “Parece que a empresa não pode estar em crise por má administração. Mas quem define o que é reflexo da crise ou não?”.
O decreto que regulamentou a MP 680 dizia que as empresas devem “comprovar sua situação de dificuldade econômico-financeira” a partir de informações que seriam divulgadas por um comitê interministerial formado também para avaliar o andamento do programa. Entre os critérios, definidos cerca de 20 dias após o anúncio do PPE, está o chamado Indicador Líquido de Emprego, calculado com base no registro de demissões do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
A metalúrgica vai entrar, a partir desta semana, no segundo período de redução de jornada de 90 dias deste ano. Os funcionários deixarão de trabalhar um dia por semana, mas o desconto na remuneração será equivalente à metade desse intervalo, já que a empresa se comprometeu a pagar metade das horas não trabalhadas.
Os metalúrgicos de Itu, no interior de São Paulo, que somam 17 mil trabalhadores na base, fecharam neste ano quatro acordos, dois via PPE – na fabricante de máquinas Verdés e na Açokorte – e dois fora. Dorival do Nascimento, presidente do sindicato, ligado à CUT, afirma que o programa – que vem sendo discutido na central pelo menos desde 2009 – foi uma conquista importante, mas demorou para ser aprovado.
Para Nascimento, o alcance do PPE poderia ser ampliado para permitir a participação também daquelas empresas que acumulam débitos tributários ou trabalhistas apenas desde o início de 2015, como reflexo da recessão.
Mesmo em um cenário como esse seria difícil para as pequenas metalúrgicas de Cruzeiro, também no interior paulista, ter acesso ao programa. A última empresa que procurou o sindicato local buscando um acordo de redução de jornada tem atrasados 14 meses de recolhimento de FGTS dos 60 funcionários, afirma Jaci Mendes, vice-presidente da entidade.
A negociação com corte de 20% nos salários foi fechada, mas pode ser suspensa, caso a companhia volte a atrasar os pagamentos. A indústria de Cruzeiro, ele afirma, é formada principalmente por pequenas empresas que prestam serviço para a fabricante de autopeças Maxion e sente o impacto da redução de pedidos decorrente da desaceleração do segmento automotivo já há alguns anos.
A situação não é exclusiva do ramo metalúrgico. Em Minas, a queda acentuada nos preços do minério de ferro neste ano teve impacto negativo importante sobre a produção das empresas mineradoras e da construção civil e foi a principal justificativa para os pedidos de redução de jornada que chegaram ao sindicato de engenheiros do Estado, afirma o diretor Gilmar Santana. A “dificuldade para se comprovar algumas prerrogativas”, entretanto, também tem obrigado as empresas na base do sindicato a fechar o acordos fora do PPE.
Para o professor da FEA-USP e coordenador do salarios.org.br, Helio Zylberstajn, o programa é bastante restritivo. Além da regularidade fiscal, imposições como a estabilidade após o período de corte tendem a excluir as empresas menores. “Quem adere por seis meses tem de passar nove sem demitir. É um risco que pouca gente pode correr neste momento.”
Procurados, os ministérios do Trabalho e do Planejamento não quiseram se manifestar.