A crise econômica e política do País se reflete diretamente na vida dos aposentados brasileiros. De acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2014, divulgada recentemente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o número de aposentados que continua trabalhando chegou a 5,7 milhões de pessoas. Ou seja, no ano passado, 28,14% dos 20,3 milhões de cidadãos já aposentados continuavam na ativa.
O sonho da maioria dos brasileiros é de poder curtir a aposentadoria descansando, mas também existem aqueles que, por necessidade de manterem o padrão de vida ou mesmo para se sentirem ativos, não deixam o mercado profissional.
Quem se aposenta não é obrigado a deixar as atividades. Especialistas em Direito do Trabalho ressaltam que a pessoa que se aposenta por tempo de contribuição ou por idade pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) pode continuar com o vínculo de emprego.
A advogada Juliana Afonso do escritório Terçariol, Yamazaki, Calazans e Vieira Dias Advogados afirma que “os direitos trabalhistas dos aposentados são os mesmos de qualquer outro funcionário não aposentado, uma vez que a relação do empregado para com o INSS não interfere em nada na relação trabalhista com a empresa”.
De acordo com o doutor em Direito do Trabalho e professor da pós-graduação da PUC-SP, Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, a relação entre o aposentado e o INSS é diferente da relação entre trabalhador e empregador. “Referidas relações são independentes. E na hipótese de aposentadoria, salvo por invalidez, a relação contratual de emprego continua seguindo normalmente. Isso porque o aposentado por invalidez é aquele que tem alguma incapacidade, por lesão ou enfermidade, que o impede de realizar qualquer atividade laboral”, observa.
Os especialistas ressaltam que o trabalhador não precisa, necessariamente, informar ao empregador que se aposentou, exceto nos casos de aposentadoria por invalidez. O advogado José Augusto Rodrigues Jr., sócio do escritório Rodrigues Jr. Advogados, explica que o empregado não precisa formalizar a condição de aposentado e não há qualquer obrigação de rescisão de contrato de trabalho.
RELAÇÕES DISTINTAS – “Esta foi uma questão que muito se discutiu nos Tribunais do Trabalho, porém o Supremo Tribunal Federal decidiu que existem duas relações distintas: uma do empregado com seu empregador e outra do segurado com a Previdência. Elas são autônomas e não se confundem. O fato de o empregado aposentar-se junto ao INSS, desde que não seja por invalidez, em nada altera o contrato de trabalho mantido com o empregador, mantendo-se incólume, sem a necessidade de qualquer informe pelo trabalhador”, ressalta Rodrigues Jr.
Bianca Andrade, da área trabalhista do escritório Andrade Silva Advogados, revela, entretanto, que pode haver “cláusula em Convenção Coletiva de Trabalho que determine a obrigação ao empregado de informar a aposentadoria como, por exemplo, em casos de previsão de estabilidade pré-aposentadoria”.
CONTRIBUIÇÃO – Se o aposentado continuar trabalhando, ele deve contribuir para a Previdência Social, uma vez que a realização de atividade remunerada lhe dá a condição de segurado obrigatório do INSS, aponta a advogada Juliana Afonso.
Os especialistas salientam que, apesar de continuar na condição de segurado, o funcionário aposentado terá restrições a alguns benefícios da Previdência. Segundo o professor e autor de obras em Direito Previdenciário, Marco Aurélio Serau Jr., mesmo com a obrigação de ter que contribuir normalmente, este empregado perde o direito à maioria dos benefícios garantidos para os não aposentados. “A lei garante ao que volta a trabalhar apenas o salário-família e a reabilitação profissional. Ele não terá acesso aos benefícios mais vantajosos e importantes, como auxílio-doença e auxílio-acidente, por exemplo”, afirma o professor.
Ou seja, um empregado que já se aposentou e continua suas atividades não receberá nada além de sua aposentadoria caso sofra um acidente de trabalho, pois ele não pode, por lei, acumular a aposentadoria com o auxílio-doença ou auxílio-acidente, por exemplo. Este trabalhador terá, por lei, apenas o direito à reabilitação para outra função ao se acidentar no trabalho.
DISCRIMINAÇÃO – Na visão dos especialistas, o empregado que se aposentar pode continuar a exercer sua profissão normalmente e, caso seja demitido por este motivo, ele poderá entrar com uma ação na Justiça por discriminação.
“Tanto a demissão como o pedido de demissão são meras liberalidades das partes, ou seja, o empregador tem a faculdade de permanecer ou não com o funcionário, assim como o funcionário tem o direito de querer continuar ou não trabalhando para o empregador. O que a legislação e a Justiça trabalhista protegem é dispensa discriminatória, ou seja, o empregador, motivado por um fato específico, dispensa seu funcionário sem que este tenha cometido qualquer irregularidade”, ressalta Juliana Afonso.
A advogada pontua que se o funcionário for demitido exclusivamente em razão da aposentadoria, “este deverá requerer judicialmente a reintegração ao emprego, além de danos morais pela dispensa irregular”.
Rodrigues Jr. também alerta que o trabalhador aposentado não poderá sofrer qualquer rebaixamento de cargo. “O contrato deve manter-se intacto e qualquer alteração prejudicial ao empregado é considerada ilícita, com fundamento no artigo 468 da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas)”, revela.
DESLIGAMENTO – No caso do desligamento do funcionário aposentado, sem justa causa e sem qualquer tipo de discriminação, Bianca Andrade informa que ele terá direito ao recebimento de todas as verbas rescisórias, igual a um trabalhador comum: saldo de salário, férias e décimo-terceiro salário proporcionais, aviso-prévio, FGTS e a indenização de 40% do FGTS.
“Vale lembrar que, mesmo que o empregado tenha levantado o FGTS quando se aposentou ou o utilizado para outros fins, como, por exemplo, compra da chamada casa própria, ainda assim os 40% de indenização do FGTS deverão ser pagos sobre a totalidade do saldo na data da rescisão contratual. Aliás, atualmente, a própria Caixa Econômica Federal, depositária do FGTS, já fornece às partes o chamado “saldo para fins rescisórios”, que é exatamente esse cálculo, não representando, necessariamente, o real saldo existente naquela data, mas sim o que deveria existir, caso o empregado dele não tivesse nada sacado”, detalha Rodrigues Jr.