“Eu acredito que o maior desafio é aceitar que nem todo mundo é igual a nossa sociedade. Somos uma tribo há mais de 2.000 anos. Nós viemos dos vikings e gostamos muito do nosso jeito de viver.”
Esta foi a resposta do ministro dinamarquês da Integração, Soren Pind, a uma pergunta desta Folha sobre imigrantes em seu país (Mundo, 14/5).
Foi bom que ele esclarecesse que a Dinamarca é uma tribo. Eles quase nos enganaram, pois durante um certo tempo alguns acreditaram que se tratava de um Estado moderno que não precisava alimentar fantasias de origem para justificar os traços reacionários de seu “jeito de viver”.
Como uma boa tribo, qualquer “corpo estranho” que impeça a sociedade de ser uma bela totalidade fechada, que quebre a harmonia e a felicidade que sempre reinou na terra de Hamlet e de “Festa de Família” (filme “família feliz” do conterrâneo Thomas Vinterberg), deve ser rejeitado.
Não deixa de ser engraçado ver como a tribalização social não é exatamente um risco a assombrar apenas países como Paquistão ou Ruanda, mas é orgulhosamente vendida como apanágio para conflitos sociais na “desenvolvida” Dinamarca, cujas taxas de imigrantes é muito menor do que aquela que encontramos nos principais países europeus.
Uma das perguntas que animaram a primeira metade do século 20 era: como uma sociedade avançada como a alemã conseguira produzir barbaridades como o nazismo?
Talvez tenha chegado a hora de se perguntar como países que gostam de se ver como avançados, como Dinamarca, Suíça, Finlândia e Holanda, conseguiram voltar a funcionar como tribos arcaicas.
Um exemplo impressionante de até onde isto pode chegar foi dado pela legislação sobre casamentos entre dinamarqueses e estrangeiros.
Para um casamento desta natureza se consumar, os dois devem ter mais de 24 anos, o dinamarquês deve provar ser independente do auxílio financeiro do governo, a pessoa estrangeira deve fazer um teste de língua e de conhecimentos e (esta é a melhor) ambos devem mostrar um vínculo à Dinamarca maior do que o vínculo a qualquer outro país.
Bons tempos aqueles em que, para casar e viver junto, bastava ser juridicamente responsável, não ter compromisso anterior em vigor, amar e estar disposto a assumir tal desejo diante de um funcionário público. Mas é verdade que, em tribos, o casamento sempre foi mais complicado.
Desta forma, a cultura contribui para transformar a massa pobre de imigrantes em uma nova versão do proletariado de Marx: pessoas sem direitos, reconhecimento, cidadãos de segunda classe amedrontados e, por isso, presas fáceis para as piores explorações econômicas.
Um pouco como as tribos faziam com seus inimigos.
Artigo de VLADIMIR SAFATLE